4.1.09

O crime compensa

O Globo, Editorial, 04/01/2009:

O crime compensa

A legislação penal brasileira é sabidamente anacrônica, inadequada aos tempos que correm. Elaborado na década de 40, o Código Penal é de um Brasil e um mundo que não mais existem. Neles, ainda não havia um tráfico de drogas montado em escala industrial, nem facilidades de comunicação e transporte que tanto ajudam o aperfeiçoamento das sociedades como as atividades ilícitas.

À inadequação do Código à necessidade de punição severa por crimes graves cometidos por quem não demonstra qualquer possibilidade de reabilitação ao convívio social é somada outra distorção grave: a da aplicação incompetente das regras de progressão de pena previstas na Lei de Execução Penal. A habilitação de dois dos assassinos do repórter Tim Lopes para que possam cumprir o resto da pena em regime semi-aberto - passar o dia fora da cadeia num suposto emprego formal - é prova irrefutável de que a legislação penal está longe de atemorizar o crime. Ao contrário, por ser débil, funciona como incentivo à cultura da impunidade, um dos mais graves problemas da sociedade brasileira.

Claudino dos Santos Coelho, o Xuxa, e Cláudio Orlando do Nascimento, Ratinho, ambos condenados a 23 anos de prisão, poderão receber o benefício por terem cumprido um sexto da pena e, segundo a Justiça, demonstrado “bom comportamento”. Por esse mecanismo, a pena de 23 anos pode ser atenuada com menos de quatro anos de prisão. Não importa a crueldade com que o assassinato foi cometido. As torturas bárbaras sofridas por Tim antes de ser assassinado e ter o corpo incinerado de nada valem diante da aplicação burocrática da regra do um sexto de pena cumprido em “bom comportamento”. Ora, o “bom comportamento” atrás das grades qualifica perigosos assassinos a voltar às ruas sem risco para as outras pessoas? Dadas as conhecidas deficiências do sistema penitenciário, não pode ser levada a sério sequer a informação de que os presos passaram por avaliações psicológicas. Quais? Por quem? Qual o texto dos laudos?

O histórico da aplicação da progressão de penas não justifica qualquer otimismo. Em julho do ano passado, outro dos assassinos de Tim Lopes, Elizeu Felício de Souza, o Zeu, foi considerado apto ao regime semi-aberto. Aproveitou e fugiu. Ratinho, por sua vez, já escapara da cadeia em 96, preso que fora por roubo e receptação e porte ilegal de armas.

Não é preciso ser vidente para prever o desfecho dessa história caso a pena dos dois assassinos seja de fato atenuada. Mais uma vez, o Estado emitirá a desconcertante mensagem de que no Brasil o crime compensa.

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