25.10.09

PCD: Crédito inclusivo

O Globo, Morar Bem, 25/10/2009:

Crédito inclusivo
Pessoas com deficiência podem obter financiamento para imóvel adaptado

Luciana Calaza

A piauiense Laura Marques garante que se alguém lhe oferecesse uma suíte no Copacabana Palace para morar, ela diria que não. A vendedora, de Teresina, que é anã, há nove anos conseguiu comprar, via financiamento do Programa de Arrendamento Residencial (PAR), da Caixa Econômica, um imóvel adaptado para o seu tamanho. Laura foi uma pioneira. No mesmo ano, foi sancionada a Lei da Acessibilidade (a 10.098), que determina que o governo federal, em políticas habitacionais, reserve um percentual mínimo do total das moradias para quem tem deficiência física. Mas poucos sabem disso.

O gerente nacional do PAR, André Marinho, explica que, no caso dos imóveis enquadrados nesse programa – criado para famílias de centros urbanos que recebem até R$ 1,8 mil – a Caixa fixa condições prévias para a construção.

- No PAR, a Caixa, com recursos de um fundo, adquire um terreno e contrata a construção de unidades residenciais. Assim, reservamos um percentual do total das habitações para pessoas portadoras de deficiência – explica Marinho.

Laura, conhecida pelas palestras motivacionais que ministra, conta que, na época, a equipe da Caixa disse que, se a construtora não fizesse nenhuma objeção às adaptações, eles lhe dariam a autorização. A empresa topou.

- Hoje está tudo mais fácil. Mas as pessoas não têm informações e não acreditam que vão conseguir.

No programa Minha Casa, Minha Vida – que prevê a construção de 400 mil unidades para quem ganha até três salários mínimos – o sistema de produção é semelhante ao do PAR. Ou seja, a Caixa Econômica contrata a produção de habitações e, por isso, há uma cota para pessoas com deficiência. Mas não foi sempre desta forma:

- O programa começou sem essa preocupação, mas várias associações reclamaram, e o governo acabou incluindo essa consideração – destaca Andrei Bastos, assessor de comunicação do Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência (IBDD)*.

O gerente nacional do PAR ressalta que nas demais linhas de crédito, no entanto, a Caixa não tem a prerrogativa de exigir das construtoras a oferta de unidades acessíveis a esse público:

- No caso de compra de imóvel na planta, o adquirente deve contactar a construtora para solicitar que seja feita essa adaptação. Agora, a Caixa tem linhas de crédito para reforma de imóvel, que podem ser usadas, inclusive, para obras de adaptação da residência para a pessoa com deficiência.

Lei só dispõe sobre áreas coletivas

No apartamento de Laura, as pias da cozinha e do banheiro, o vaso sanitário, os interruptores de luz e as maçanetas das portas foram instalados segundo sua altura, de 96 centímetros. Os móveis também são mais baixos: ela conseguiu que uma empresa de mobiliário os fabricasse sob medida:

- Morei 38 anos na casa de meus pais e não tinha acesso a nada sozinha, precisava de ajuda o tempo todo. Por isso, não trocaria minha casa nem pelo Copacabana Palace. Não há lugar em que me sinta mais confortável do que lá.

Hoje, no Rio, a lei municipal 3.311/03 dispõe sobre acessibilidade nos espaços de uso coletivo dos condomínios, obrigando as edificações, inclusive as já construídas, a se adaptarem para garantir o acesso e a circulação de pessoas com deficiência física. A pena aos que se negam a atender o pedido de um morador é multa mensal de 5% da soma dos IPTUs de todos os imóveis.

- O mercado imobiliário deveria ir além da acessibilidade no espaço coletivo. Um imóvel com portas mais largas e interruptores e maçanetas mais baixos, por exemplo, atende a pessoas com ou sem deficiência – diz Bastos.

Construção já adota o ‘desenho universal’

Segundo Eduardo Ronchetti, do escritório paulistano Mobilidade Arquitetura – especializado em projetos de imóveis para pessoas com necessidades especiais – o setor imobiliário já começa a atentar para o fato de que atender à demanda desse público-alvo, seja qual for sua faixa de renda, pode ser um bom negócio.

- De acordo com o último censo do IBGE, 14% dos brasileiros têm algum tipo de deficiência. E a projeção do instituto é de que, em 2025, 15% da população será de idosos, quando em 2000, eram 8,5%. Se levarmos em conta as gestantes, os obesos e pessoas com mobilidade reduzida temporariamente é uma fatia enorme de mercado – ressalta.

O arquiteto diz que já há, ainda que poucos, condomínios com o chamado “desenho universal” de unidades – em São Paulo, as construtoras Tecnisa e J. Bianchi têm exemplos. E isso apesar de esse tipo de construção ser um pouco mais onerosa: a porta de 90cm, por exemplo, é mais cara que a de 60cm. E, levando-se em conta o número delas num prédio, há impacto no valor final.

- Mas o tamanho do imóvel, por outro lado, não precisa ser maior. É uma nova forma de pensar arquitetura. Na maioria das vezes, só é necessário fazer uma redistribuição das áreas internas para tornar um imóvel acessível. Até porque ninguém está livre de ficar temporariamente com mobilidade reduzida, e a casa precisa estar preparada para isso – acrescenta Ronchetti.

UM PROJETO DE CASA ACESSÍVEL

EM TODO O IMÓVEL: Todas as portas de acesso aos ambientes precisam ter uma abertura mínima de 80cm; as larguras dos corredores não podem ser inferiores a 90cm e a altura das maçanetas e dos interruptores deve variar entre 40cm e 1,20m.

COZINHA E ÁREA: É preciso garantir circulação da cadeira de rodas e aproximação e alcance da pia e de eletrodomésticos, como fogão e geladeira. O piso mais adequado é o antiderrapante.

QUARTOS: Deve haver distância mínima de 90cm entre os móveis do cômodo. Além disso, uma área com diâmetro de, no mínimo, 1,50m permitirá que a pessoa que usa cadeira de rodas dê um giro de 360 graus no espaço.

BANHEIROS: O banheiro precisa garantir a transferência de uma pessoa em cadeira de rodas ao vaso sanitário e chuveiro. E deve permitir sua aproximação ao lavatório. Para comandos como registros de chuveiro e descargas, a altura indicada é um metro do piso. Desníveis maiores do que 1,5cm para acesso ao box não são apropriados. Como na cozinha, a escolha correta é de piso antiderrapante.

***

*OBS.: Falhei ao não informar à reporter que saí do IBDD em 08/07/2008 e atualmente sou membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ. Como ela me conheceu na função antiga, foi publicada a informação errada.

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