Advocacia colaborativa no Direito de Família
OABRJ
Digital, fevereiro/2014:
Advocacia
colaborativa no Direito de Família
Olivia Fürst*
Ainda que os conflitos familiares – em especial o divórcio – sejam
tradicionalmente abordados como questões a serem resolvidas na lógica
adversarial do processo, é facilmente perceptível que disputas desta natureza
não têm vencedores. Quem já os vivenciou tem plena consciência dessa realidade.
Por isso, é comum que ex-adversos inicialmente concordem que, em tais
situações, o melhor caminho seja o acordo. Entretanto, nem sempre logram êxito
ou, muitas vezes, mesmo celebrando o acordo, posteriormente a questão acaba
indo parar no Judiciário.
Isto ocorre porque (i) em uma negociação tradicional continuamos a
atuar como adversários, pelo simples fato de que somos litigantes em potencial
e a negociação é marcada pela barganha; (ii) tratamos das questões financeiras,
psicológicas e emocionais, típicas de um divórcio, com um olhar estritamente
jurídico; e (iii) a ideia de representação do advogado inibe o protagonismo por
parte dos clientes.
Com vistas a criar um ambiente de negociação mais profícuo, no início
dos anos 1990 o advogado de família norte-americano Stuart Webb criou a chamada
advocacia colaborativa (collaborative law), que consiste em um método não
adversarial e multidisciplinar de resolução de controvérsias.
O cerne da inovação proposta por Webb está na assinatura de um termo de
confidencialidade e não-litigância entre os advogados, sem o qual uma atuação
genuinamente colaborativa não se mostra viável. Se o acordo não for possível,
devem ser procurados outros advogados para atuação judicial.
A cláusula que desqualifica advogados para o litígio tem um efeito
transformador para os envolvidos na negociação. Quando os advogados não
representam ameaça mútua e trabalham em convergência de propósitos, passam a
proporcionar um ambiente protegido de conversa, onde é possível aventar
inúmeras possibilidades, sem o receio de que, posteriormente, constem dos autos
de um processo judicial. Afastada a postura adversarial, não há espaço para a
barganha e é possível tratar de interesses e não mais de posições, na construção
de um ajuste que atenda a todos os membros da família. As chances de obtenção
de acordos consistentes e duradouros são, assim, significativamente
potencializadas.
A compreensão de que a gestão adequada dos conflitos familiares passa
por um enfoque multidisciplinar permite o endereçamento correto das questões
específicas de cada caso: a composição da equipe (psicólogos, financistas,
terapeutas infantis) será determinada pela especificidade de cada família.
Por fim, propõe-se que advogados passem a atuar ao lado dos clientes,
definindo estratégias e assessorando-os no processo de negociação,
substituindo-se o “confie em mim” pela parceria, onde o cliente assume o
protagonismo.
Vivemos um momento de transformação na prática da advocacia no Brasil.
Nos últimos anos, o Estado vem minimizando sua ingerência na vida privada das
pessoas e o Judiciário vem reconhecendo a sua inaptidão para resolver conflitos
de natureza subjetiva. Concomitantemente, técnicas autocompositivas, como a
mediação e a conciliação, têm se consolidado na atual política pública de
incentivo à solução adequada dos conflitos no âmbito do Judiciário (Resolução
125 do CNJ).
Nesse contexto, espera-se que o advogado incorpore novas técnicas para
promover a solução dos conflitos de maneira a preservar a autonomia das pessoas
envolvidas e fomentar a responsabilidade pelas decisões tomadas, só
encaminhando questões à tutela jurisdicional quando estritamente necessário.
Não há que se falar, portanto, em “nova advocacia”; o significativo
diferencial da prática colaborativa está na combinação de ferramentas da
mediação com a essência da advocacia. Ela dota o profissional de técnicas e
habilidades em negociação e comunicação, próprias da mediação; agrega outros
saberes na resolução do conflito (equipe multidisciplinar); e não exige
neutralidade e imparcialidade do profissional, mantendo sua atuação em
consonância com o âmago da profissão, que é a defesa do melhor interesse do
cliente e da famíla.
Acordos oriundos de um trabalho colaborativo mostram-se mais eficazes e
reduzem expressivamente os custos financeiros e pessoais dos envolvidos,
deixando-os mais satisfeitos com os resultados. Via de consequência, indicam
novos clientes. E não há impedimento a que um advogado que atue
colaborativamente em determinado caso represente outros clientes pela via
judicial.
A consonância com políticas públicas para resolução adequada dos
conflitos, a possibilidade de conduzir o divórcio de forma construtiva e o
resgate do papel do advogado como efetivo solucionador de conflitos são
características distintivas desta prática, que foi merecedora do Prêmio
Innovare em 2013.
*Advogada, coordenadora do grupo
de trabalho sobre práticas colaborativas da Comissão de Mediação de Conflitos
da OAB/RJ; autora da prática ganhadora do Prêmio Innovare 2013 na categoria
advocacia.
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