11.1.16

‘O coração vai sangrar para sempre’, diz pai de jovem assassinado

Pais de Alex Schomaker, morto em ponto de ônibus, lutam na Justiça contra o estado
POR LUDMILLA DE LIMA
Mausy Shomaker e Andrei Bastos, pais de Alex – Fernando Lemos
RIO — Sentados numa pracinha em Botafogo, em frente ao campus Praia Vermelha da UFRJ, Mausy Schomaker e Andrei Bastos chamam o filho Alex de “nerd feliz”. Há um ano, ele se preparava para iniciar o mestrado em biologia e fazia planos para um doutorado na Finlândia, no campo de genética e doenças raras. Também havia acabado de se inscrever na prova para professor do Colégio Pedro II. Ao mesmo tempo em que era um jovem calado, que gastava horas em frente ao computador, e extremamente dedicado aos estudos, direcionados à pesquisa e a um futuro no magistério, Alex gostava de pedalar do Flamengo ao Leblon, ir à praia (em particular, a Vermelha), tatuagens (tinha várias) e namorar.
Os pais contam as histórias do rapaz às vezes com risos. Mausy recorda o trabalho inusitado do filho durante os carnavais (que ele odiava), quando ganhava um dinheiro extra ajudando a receber turistas, já que falava inglês e alemão. No seu último carnaval, atuou na Delegacia de Atendimento ao Turista. Alex também era monitor do Colégio de Aplicação da UFRJ. A conversa segue como se ele estivesse presente em algum lugar da sua rotina. Mas, uma hora depois, a mãe desaba. Em lágrimas, ela encosta a cabeça no ombro do marido e revela toda a sua dor:
— Parece que ele vai sair da UFRJ a qualquer momento, parece que ele está vindo para cá.
Na última sexta-feira, fez um ano que o estudante de biologia da UFRJ foi assassinado naquela pracinha da Rua General Severiano, hoje chamada Alex Schomaker Bastos. Aos 23 anos, ele levou sete tiros durante um assalto praticado por dois bandidos numa moto, que o atacaram num ponto de ônibus localizado ali. Após sair da universidade, Alex tinha ido jantar no Outback com a namorada e amigos. Menos de 15 minutos antes de ser baleado, mandou uma mensagem por celular para a mãe: “Estou indo para casa”. Quem bateu à porta de Mausy logo depois, no entanto, foi a polícia, avisando o que tinha acontecido.
Os suspeitos do crime, William Augusto Nogueira e Anderson Leandro Bernardes, se encontram presos e ainda estão sendo julgados, à espera apenas do veredito final.
Mausy diz que nesse ano que passou sem Alex a dor da perda “se solidificou”. Ela, Andrei e outras pessoas da família carregam no corpo uma tatuagem que o estudante tinha no pulso: um símbolo de força, segundo a mitologia nórdica. No braço, Mausy ainda copiou a árvore da vida de Darwin, que o filho tinha desenhada no corpo.
— As pessoas dizem que o tempo cura. O tempo para mim só aumenta o buraco. Cada um reage de uma maneira. A nossa é fazer algo para melhorar o lugar em que a gente vive. Mas a dor não se desmancha, não — desabafa a mãe, de 64 anos, professora voluntária de português.
PONTO GANHOU ESTANTE DE LIVROS
Uma das atitudes dos pais de Alex foi transformar o local do crime. Eles pintaram o ponto de ônibus de branco e instalaram sob a cobertura uma estante com livros. Já a praça foi reformada pela prefeitura, ganhando equipamentos de ginástica e brinquedos. Embora Mausy e Andrei não cuidem mais do lugar como no início, o espaço voltado à leitura continua arrumadinho, graças à população. As prateleiras ontem estavam cheias de livros científicos.
O lugar não costuma ser visitado por Mausy e Andrei, que agora somente param no ponto de ônibus quando querem se lembrar do filho. Ver o nome de Alex na placa da praça, revela Mausy, não traz qualquer felicidade. Ontem, no entanto, os pais deixaram lá uma pilha de títulos, como “Enterrem meu coração na curva do Rio”, de Dee Brown, sobre a história dramática dos índios americanos. Por acaso, um dia antes, Mausy se deparara com uma frase de Mário Quintana que ela agora quer emoldurar e pendurar na estante: “Livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas”.
O projeto dos pais é replicar a iniciativa, com luz e livros, em outros pontos de ônibus da cidade. Gostariam que o prefeito Eduardo Paes abraçasse a ideia.
— Nós vamos continuar lutando por cidadania e justiça. É evidente que a morte dele provocou em nós muita raiva, vontade de vingança. Mas, se nós fizermos isso, vamos desonrar o nosso filho, macular a boa energia que ele sempre foi em vida — diz, com emoção, o jornalista Andrei, de 64 anos.
A família move na Justiça uma ação contra o estado, apontado como também responsável pelo crime.
— O estado é cúmplice. Não puxou o gatilho, mas, quando abandona um lugar como este, contribui para a violência. Não estamos falando de policiamento. Sou contra uma cidade totalmente policiada — afirma Andrei, citando não só a situação do lugar antes, sem iluminação, como os crimes que a dupla de bandidos já vinha praticando em Botafogo, sempre nos mesmos dias e horários, motivos de alerta na vizinhança e na comunidade da UFRJ.
Com o dinheiro que poderá vir se a ação for ganha, os dois pretendem fazer algo positivo no campo da educação, ajudando estudantes com poucos recursos. Em relação aos assassinos, “perdão” é uma palavra que não existe para os pais de Alex. “Não sou madre Teresa de Calcutá”, repete sempre Mausy, que tem outros dois filhos. Andrei também tem mais dois, de outro casamento.
Hoje, Mausy fará novamente um ritual que cumpriu sete dias após a morte de Alex: irá até a Praia Vermelha e, numa prancha de stand up paddle, vai chorar sozinha no meio do mar.
— O coração vai sangrar para sempre — diz, soluçando. — O que move a gente é o Alex.

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