Comunicação esquizofrênica
Clube de Comunicação, 12/01/2017:
Comunicação esquizofrênica
ANDREI BASTOS
Comunicação esquizofrênica
ANDREI BASTOS
Da imprensa de Johannes
Gutenberg ao celular, a comunicação entre os seres humanos tem se
sofisticado a passos cada vez mais largos. É um processo que, de tão rápido,
deixa a todos perplexos, sem saber como usar direito os novos equipamentos,
tirando deles o máximo proveito.
Já não causa mais estranheza multidões de “zumbis” eletrônicos, com
olhos fixados nas telinhas dos celulares, teclando ou falando com
interlocutores às vezes do outro lado do mundo, e ainda jogando ou acompanhando
as notícias do planeta Terra, por enquanto...
Já não causa mais estranheza nem mesmo casais ou pequenos grupos
reunidos em torno de mesas de bares e restaurantes sem conversarem entre si,
todos com olhos e ouvidos atentos às mensagens recebidas pelos celulares sempre
conectados.
A explicação de tal fenômeno mágico-hipnótico talvez esteja no fato de
que, mesmo quando os indivíduos tomam posturas aparentemente passivas, estão,
na verdade, interagindo, nem que seja com teclas ou botões dos aparelhos
eletrônicos. E enquanto durar esta relação, ninguém fica sozinho.
É, portanto, a solidão, inerente à condição humana, o motor de todo o
interesse pelos veículos ou suportes da comunicação desde o tempo de Gutenberg, passando por McLuhan ("O meio é a
mensagem").
Mas, por outro lado, esta rendição também não sobreviverá por muito
tempo se a comunicação não desenvolver novas formas de se realizar, encontrando
caminhos mais coerentes com os novos potenciais tecnológicos.
Afinal, o que temos ainda é a simples transposição de produtos
analógicos para o meio digital. Ou seja, o mesmo livro impresso, a mesma
música, o mesmo jornal, o mesmo programa de TV apenas passaram a ocupar as
plataformas digitais, sem nenhuma ou pouca alteração nas suas formas. Temos
poucos conteúdos desenvolvidos especificamente para as novas plataformas e,
mesmo assim, seguindo padrões ainda presos aos meios antigos.
Ora, quando já estamos diante da viabilidade de implantar chips
conectados em seres humanos, seja nos braços ou nos cérebros, não podemos mais
pensar em “produtos” antigos de comunicação. Em breve teremos multidões de
seres humanos falando com “seres invisíveis”, reais ou virtuais, que só existem
nos seus dispositivos e nas suas cabeças. Da sala de Fahrenheit 451, com as
quatro paredes transformadas em telas gigantes e interativas, aos chips
implantados nos cérebros das pessoas, a comunicação precisa desenvolver
conversas coerentes com este admirável mundo novo.
E veremos pelas ruas pessoas conversando com tais seres invisíveis para
os outros e, assim, afastando a solidão deste mundo para outro, mais distante
ainda. O que nos falta é uma linguagem apropriada para alimentar esse diálogo,
o que, certamente, logo teremos, sob pena de perdermos qualquer possibilidade
de controle, no bom sentido, do processo de comunicação, abrindo as portas da
percepção para o caos, que facilmente se instalará em mentes de pouca ou
nenhuma consistência intelectual e visão crítica, como a da enlouquecida
Mildred, de Fahrenheit 451.
Andrei Bastos é jornalista e
integra o Clube de Comunicação RJ
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