Cidadã Luciana
ANDREI BASTOS
Todo dia ela faz tudo sempre igual. Às quatro horas da manhã, abre os
olhos para o dia num movimento rápido como um susto, sem estar assustada. É
apenas o jeito, tranquilo, de quem abre os olhos como duas janelas para um
mundo muito maior do que aquele que enxergamos normalmente, pois o imenso mundo
de Luciana começa logo diante de seus olhos e não depois do alcance de seus
braços e pernas.
Depois de mover o olhar para um lado e outro, tomando ciência de que
tudo está no devido lugar, que as pessoas que a ajudam estão com ela, que os
equipamentos que a mantêm respirando estão funcionando perfeitamente, ela sorri
para quem está à sua frente.
Começam, então, os cuidados de higiene, alimentação, vestimenta e,
indispensavelmente, maquiagem. Cuidadosamente, é penteado o cabelo, aplicado o
pó facial e o batom vermelho vivo como a vida que anima Luciana. Este ritual
diário dura no mínimo três horas e, só depois de cada detalhe atendido, com a
cidadã Luciana já acomodada em sua cadeira de rodas de alta tecnologia, ela é
levada ao carro adaptado que a deixará no trabalho.
Apesar de suas próprias e severas limitações, a perseverança e fé de
Luciana a tem levado pelos caminhos que escolheu. Mas, como se não bastasse, a
sociedade, com falta de acessibilidade e com transporte público inadequado,
impõe a ela mais limitações, dessa vez com o preconceito e a discriminação.
Ao decidir estudar enfermagem, Luciana revelou seu desejo de ajudar as
outras pessoas nos seus momentos de fragilidade e doença. Ao ficar
impossibilitada de fazer esse trabalho, escolheu como o primeiro caminho
estudar e se preparar para Serviço Social. Bem-sucedida nessa etapa, sua
vocação a levou naturalmente a vislumbrar na política possibilidades maiores de
realização. Não obteve sucesso imediato, mas não desistiu e continuou a
caminhar na mesma direção.
Independentemente da política partidária, Luciana se integrou a grupos
da sociedade civil que trabalham na defesa de direitos das pessoas com
deficiência, acrescentando um profundo conhecimento de outras realidades, e
dificuldades, diferentes das suas. Enquanto atendia ao que seria unicamente uma
vocação, ela dava início à sua conscientização e exercício de cidadania. Luciana
descobriu o mundo dos cegos, dos surdos, dos paralisados cerebrais, da síndrome
de Down.
Duas vezes por mês Luciana participou das reuniões de um grupo que se
dedica às políticas públicas municipais referentes às pessoas com deficiência
como ela. Sua tetraplegia não a impede de, além de viver uma existência
compartilhada com familiares e amigos, lutar pelos direitos de seus pares e das
pessoas em geral, exercendo, assim, plenamente, sua cidadania.
O grupo de que Luciana Novaes participou é o Conselho Municipal de
Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Rio de Janeiro (Comdef-Rio),
que se orgulha de ter contado com ela entre seus membros por sua luta pela vida
e por ser a primeira pessoa com deficiência a se eleger para a Câmara
Municipal.
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