16.10.08

Capitalista imita comunista, comunista imita capitalista

MILTON COELHO DA GRAÇA

Paul Krugman receberá merecidamente o Nobel de Economia. Poucos dias antes de anunciado o prêmio, vários jornais brasileiros publicaram o artigo de Krugman em que ele criticava o primeiro pacote aprovado pela dupla Bush-Paulson para enfrentar a crise financeira. O governo não pode apenas garantir os bancos, argumentava, deveria dar dinheiro em troca de ações, participar do controle das operações. A banda mais conservadora e monetarista dos Estados Unidos bradou: “Isso é coisa de comunista”.

O Congresso recusou o pacote, começou a negociar algo mais do que um simples oferta de dinheiro, enquanto o governo britânico preferiu embarcar na crítica de Krugman e praticamente assumiu e direção do sistema bancário, dando plena garantia a depositantes e alguns credores.

Bush, Paulson e o Federal Reserve docilmente concordaram com a velha e sábia Inglaterra e adotaram diretrizes bem próximas da política econômica da China onde todos os grandes bancos (como a nossa Caixa Econômica) são estatais. Só faltaram gritar “Viva o socialismo”.

Do outro lado do planeta, reuniu-se o Comitê Central do Partido Comunista Chinês. Examinaram com paciência os números da produção agrícola, aparentemente felizes com a produção de grãos do ano passado, 510 milhões de toneladas. Mas chinês sabe comparar números, sabe que esse número foi menor do que o triplo da produção brasileira, um país com uma população sete e picos vezes menos do que a da China. Pior: eles aceitaram a triste realidade de que a produção aumentara nos dez primeiros anos da reforma, mas praticamente vinha mancando nos quase 30 depois disso..

Na reforma chinesa do final da década de 70, um dos pontos básicos foi o fim da ilusão de que solidariedade socialista e amor ao próximo seriam mais produtivos do que o empreendedorismo. Acabaram-se as fazendas coletivas no estilo soviético e criou-se um sistema de arrendamento de terras. Cada família teria direito a um pedaço de terra desde que entregasse anualmente uma certa parte de sua produção a armazéns do Estado como “aluguel”. O restante poderia vender livremente no mercado. Quem não pagasse religiosamente o “aluguel”, tinha de entregar a terra a outra família mais disposta a trabalhar. Sem esquecer um detalhe fundamental: ninguém tem a propriedade da terra na China, ela é de todo o povo, da mesma forma como a água e o ar.

Mas uma família isolada, mesmo se juntando aos vizinhos para usar máquinas e financiamento fácil para fertilizantes etc., não consegue nem de longe competir com a altíssima produtividade obtida pelos fazendeiros do meio oeste americano ou mesmo com o nosso agronegócio.

Agora os comunistas chineses mudaram o jogo. Quem quiser pode transferir o arrendamento de suas terras para grandes empresas rurais, que ainda poderão ampliar o prazo de arrendamento para 70 anos e com a área que desejarem, desde que cumpram metas de produção. Com algum dinheirinho no bolso, é claro que, até 2020, uma boa parte da população rural – mais ou menos metade do número de hoje, acima de 700 milhões – vai se mandar para as cidades, em busca de empregos, estima-se que pelo menos metade desse número.

Não se assustem com esse número, basta recordar que, em uns 40 ou 50 anos, pelo menos um terço da população brasileira deixou de ser rural para ser urbana. E sem o governo fazer qualquer força para isso. Nos Estados Unidos, cuja produtividade agrícola é invejada pelos chineses, hoje apenas 2% ou 3% da população vivem da terra.

Dois detalhezinhos que não devem ser esquecidos. A produtividade é também essencial para o aumento da produção agrícola, porque a China, embora maior do que o Brasil, tem pouco mais um milhão de quilômetros quadrados cultiváveis, enquanto nós temos mais de três milhões. E outro objetivo importante dos comunistas chineses é dobrar em cinco anos a renda per capita da população rural.

Nos corações e mentes de boa parte dos dirigentes do PC, um grito alegre certamente foi contido: “Viva o capitalismo”.

***

Leia também:

Karl Marx manda lembranças

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial