28.11.09

Troféu Barnabé de Ouro

ANDREI BASTOS

A ciência e a tecnologia caminham a passos bem mais largos do que os que as pessoas com mobilidade reduzida por paraplegia, amputação etc. podem dar, no sentido figurado ou não. Desarticulado da perna esquerda como sou, por exemplo, não posso deixar de admitir que a ciência e a ficção científica embalam meus sonhos mais impossíveis de regeneração do meu MIE (sigla médica para membro inferior esquerdo) e que sou fã de carteirinha do Robocop.

Infelizmente, quando acordo ou caio na real, fica evidente que se um dia tal fantasia vier a se tornar realidade, este dia está a milhões de anos-luz da minha curta existência sobre este planeta.

Por outro lado, muitos dos procedimentos burocráticos ou legais da atualidade, que adicionam a essa minha vida tão breve infinitas experiências kafkianas e estressantes, estão presos a um passado longínquo e intelectualmente primitivo. Como justificar, entre outras incontáveis incongruências, que eu seja obrigado a renovar periodicamente o cartão que autoriza o uso das vagas de estacionamento reservadas? Por acaso meu MIE desarticulado pode se regenerar durante o período de validade do dito cujo?

E qual a justificativa para a existência desse mesmo documento, assim como para a de muitos outros, se, no caso dele, já temos as condições da pessoa descritas na carteira de motorista e no certificado de propriedade do veículo?

O raciocínio acima serve para demonstrar a inutilidade do cartão de estacionamento e, em aplicação paralela, para questionar sua apresentação obrigatória e vinculada à gratuidade, como está explicitado nas placas que identificam as vagas. Afinal, não é a necessidade de segurança e acessibilidade que deve prevalecer sobre qualquer outra? E complementarmente, não terá prevalência a condição específica da pessoa, com evidência ou não, pois a habilitação já a descreve?

Pois é, mané, é aí que entra nosso herói, o Super Barnabé! Herói do discernimento e do bom senso, se ele quiser acabar com este cartão terá que enfrentar grande resistência das máquinas burocráticas que precisam justificar sua existência com um mar de documentos e rejeitam tudo o que signifique eficiência e redução de custos.

Precisamos ajudar nosso herói nessa luta, que não deve se restringir à questão das vagas para estacionamento e precisa ser ampliada para tudo que diga respeito à nossa cidadania. No fundo, estes excessivos e diferenciados trâmites burocráticos acabam se constituindo em poderosos fatores de discriminação, além, é claro, dos prejuízos objetivos que representam para uma boa qualidade de vida.

Como medida do nosso grau de civilização, portanto, bem poderíamos instituir o Troféu Barnabé de Ouro, a ser conferido ao administrador público ou legislador que demonstre perspicácia e discernimento em benefício da descomplicação da vida já bastante complicada de muita gente.

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