3.12.09

Hoje não é dia de festa

ANDREI BASTOS

Hoje, 3 de dezembro, é o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência. Olhando pelo retrovisor da história, vemos uma longa estrada cheia de obstáculos que superamos, e que vai ficando para trás. As paisagens que estão à frente, e ainda desconhecemos, certamente serão mais bonitas e acolhedoras do que as do território inóspito que atravessamos desde o início de nossa luta por inclusão e emancipação.

Para indicar e clarear os novos caminhos que trilharemos, temos hoje a Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, uma lei internacional que, pela primeira vez, vigora de fato em um dia 3 de dezembro no Brasil, pois seu último ato de promulgação, o Decreto 6.949 da Presidência da República, ocorreu no dia 25 de agosto.

A bem-vinda Convenção da ONU veio coroar um processo que, em nosso país, começou com o ‘Imperial Instituto dos Meninos Cegos’, criado por D. Pedro II em 1854. De lá para cá, geralmente em sintonia com o movimento nas outras partes do mundo, as brasileiras e os brasileiros com deficiência, identificados pelo Censo 2000 do IBGE como 14,5% da população, vêm realizando conquistas cada vez mais definitivas.

Para ficar apenas na última década, por sua alta significação política, merecem destaque as leis federais 10.048, que nos dá prioridade no atendimento; 10.098, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade, e o Decreto 5.296, que as regulamentou. Com esses dispositivos, o Brasil passou a ter uma das melhores legislações do mundo para pessoas com deficiência.

Infelizmente, ao mesmo tempo que ocupa um dos primeiros lugares nesse quesito, nosso país atravessa o samba e é um dos últimos no cumprimento das leis, de suas próprias leis. São inegáveis a disposição e a vontade política que as pessoas com deficiência sempre apresentaram, por exemplo, no combate às máfias do transporte coletivo, que ainda hoje desafiam a sociedade com suas patranhas, na rejeição ao “Estatuto do Coitadinho”, que parlamentares mal-intencionados tentaram lhes impingir, ou na denúncia dos criminosos dos Jogos Parapan-Americanos Rio-2007, que cometeram discriminação ao determinar tratamento diferenciado e inferior aos atletas com deficiência e deveriam ser responsabilizados pela morte do atleta argentino Carlos Maslup.

Apesar de essa garra fazer toda a diferença e marcar a trajetória da luta, existe o descumprimento das leis citadas acima e, o que é pior, ainda falta muito a ser feito para a conscientização da sociedade, particularmente no interior do País, onde as pessoas com deficiência ainda são tratadas como na Idade Média, com total obscurantismo. Avançamos muito nos principais centros urbanos, mas pouco ou nada fizemos por nossos pares nos grotões, e eles ainda são abandonados nas ruas pelas próprias famílias ou escondidos nos quartos dos fundos. Chegou a hora de levarmos o processo de inclusão para o interior brasileiro, para as favelas e comunidades pobres, fazendo verdadeiramente o que prega a Convenção da ONU, cujo texto prioriza as pessoas com deficiência pobres do planeta na África, na América Latina, na Ásia.

Finalmente, além do texto da Convenção e do que colocam muitas das questões específicas da deficiência, os números de censos e pesquisas que a abordam nos dizem com clareza que ela está diretamente relacionada à pobreza no mundo inteiro. É por isso que, hoje, não é dia de festa.

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