31.1.10

Foliões apaixonados

ANDREI BASTOS

Ao contrário do que diz a marchinha, este ano vai ser rigorosamente igual aquele que passou, e a muitos dos que vieram antes. Pelo menos para Ivete e Roberto, seu companheiro, ambos cegos, dos olhos e de amor. Eu os conheci no carnaval de 2007, no Sambódromo, e fui cativado pela beleza e animação do casal que, mesmo em meio a tanta festa e fantasia, se destacava e chamava atenção sem usar nenhum paetê. Seus sorrisos bastavam.

No entanto, meus amigos são triplamente excluídos. Pobres, negros e com deficiência, eles teriam muito do que se queixar não fosse a grande alegria por estarem juntos, e que manifestam a todo instante. Especialmente Ivete, que transborda sua felicidade em tudo o que faz ou diz. Isso não quer dizer, de modo algum, que o jeito Cartola de ser de Roberto, que vai além da semelhança física e chega à própria alma de sambista, abrigue um coração amargurado ou triste.

Aos nove anos, Ivete perdeu a visão de um olho e, aos 37, do outro. Com 63 anos, ela trabalhou como técnica de câmara escura (Raios X) no Hospital Cardoso Fontes e, como professora, se especializou para ensinar pessoas com deficiência visual no Instituto de Educação do Estado do Rio de Janeiro. Não foi aceita em nenhuma escola e, por isso, se dedica a ensinar crianças cegas em sua própria casa.

Cinco anos mais jovem que sua companheira e também técnico de câmara escura, Roberto perdeu a visão num acidente, aos 39 anos, e está casado com Ivete desde 1991. Moradores de Guadalupe, eles vão a todos os dias de desfile, todos os anos, e ficam até o final, invariavelmente acompanhados por Esther, afilhada de Ivete, que não tem o mesmo entusiasmo e sempre dorme fazendo as bolsas de travesseiros, mas sem reclamar – faz questão de deixar claro.

Estes dois foliões apaixonados realmente nos fazem pensar! Pode até ser que a paixão de um pelo outro seja a origem de todo o resto do muito amor pela vida, pelo carnaval, pelo samba, mas isso não diminui o significado da celebração da existência que representam. Ao se colocarem no mundo com seus sorrisos e com sua altivez, diante de preconceitos e discriminação em três realidades simultâneas – pobreza, negritude e deficiência –, Ivete e Roberto nos ensinam a viver, e a vencer.

Toda a riqueza e todas as respostas estão contidas nestas duas pessoas e na generosidade delas. Quem os vê não consegue identificar neles nenhuma marca da maldade ou inconsciência humanas, e esta é sua maior vitória contra o preconceito e a discriminação. Três vezes.

Três vezes precisamos aprender a colocar a inconsciência e a incivilidade nos seus devidos lugares e ignorá-las ou anulá-las com nossa capacidade de amar, principalmente a nós mesmos. Se afirmarmos nosso amor em todas as suas formas, pela nossa companheira ou companheiro, pelo nosso estudo ou trabalho, em nossa sexualidade ou em nossa arte, superaremos a maior de todas as barreiras, a que está em cada um de nós.

É claro que isto se aplica a todas as pessoas e preconceito e discriminação não são padecimentos exclusivos de determinados segmentos. Como cada ser humano é de um jeito, a rigor todos estão incluídos nesta sina, só que uns precisam se afirmar mais do que outros, por serem mais “diferentes”, como é o nosso caso, de foliões apaixonados com deficiência.

1 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

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1:08 AM  

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