6.10.10

Amo o Steve Jobs

Crônicas da Surdez, 21/09/2010:

Amo o Steve Jobs

por Raul Sinedino*

“Conversar pelo Facetime - uma novidade do Iphone 4 – pode ser banal para as pessoas acostumadas a falar ao telefone, mas é uma verdadeira revolução na vida dos surdos oralizados. A primeira ligação entre dois deles foi de uma emoção especial. Os dois falam e fazem leitura labial, mas sempre dependeram de alguém para resolver coisas rotineiras que complicam bastante a vida de quem não tem o recurso quebra galho do telefone. Por exemplo, desbloquear cartão de crédito. Os atendentes do outro lado exigem falar com o titular. Outra via crucis é cancelar um plano de telefonia. Só o titular pode fazer isso. Só na hora de solicitar o serviço, a exigência cai, liberam na hora, sem qualquer preocupação se falam com o dono da linha, ou não. Quem ouve também pode telefonar para alguém e contar qualquer bobagem, o que é muito bom. Nós, surdos, nunca pudemos.

Num passe de mágica, a invenção de Steve Jobs acabou com a dependência e o aprisionamento emocional dos surdos. Ou quase. O preço do Iphone cobrado aqui no Brasil é muito alto, devido aos impostos. Nos Estados Unidos, a operadora AT & T cobra U$ 199 dólares ( R$ 340). Aqui, o preço ainda gira em torno de R$ 1.200, o que impede que parentes e amigos próximos de pessoas surdas se comuniquem com elas. Outro entrave é o fato de ser necessário a rede wi-fi para falar através do facetime. Não funciona em 3G. Mas, Steve Jobs já é idolatrado pelas pessoas com deficiência auditiva até pelo que já promete: a videoconferência em 3G.

Eu intuía a pequena revolução que o Iphone 4 iria me proporcionar. Por isso, nem me importei com o custo de fazer um plano Iphone, no qual está incluído pagar por 400 minutos de conversa que nunca vou ter, R$ 1.149 pelo aparelho e R$ 250 de mensalidade. Não me enganei. Moro em Porto Alegre e, hoje, recebi minha primeira ligação na vida. Era uma amiga surda, residente de São Paulo, querendo compartilhar o seu estado de graça pela compra do Iphone. O marido ouvinte sentia a falta de falar com ela ao telefone, por isso foram os dois resolver o problema, comprando o aparelho.

Confesso que fiquei sem reação durante a minha primeira videoconferência. Não sabia se chorava ou se continuava a conversa. Não sabia nem como reagir, o que fazer ou responder, porque jamais falei desse jeito com ninguém ao telefone. Muita coisa passava minha cabeça a briga cotidiana, desde criança, por autonomia, principal motivo de estresse entre os surdos. Pelo menos, dos que falam, fazem leitura labial e estão inseridos na sociedade ouvinte, mas se deparam com muitas barreiras, na maioria das vezes apenas criadas pela falta de bom senso de algumas empresas e órgãos governamentais ou de uma política voltada às necessidades específicas de uma nova geração de surdos - oralizados e implantados.

O Steve Jobs deve achar apenas que, mais uma vez, foi responsável por um avanço na tecnologia. Com certeza, jamais irá saber da pequena revolução pessoal que provocou na vida de dois surdos brasileiros no dia 20 de setembro de 2010. Sem qualquer exagero.

*Engenheiro químico e surdo desde o nascimento

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