8.10.11

Do Relatório Anual 2003 da Feneis

Do Relatório Anual 2003 da Feneis – Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos:

Da Antiguidade aos nossos dias: breve histórico dos surdos no mundo

A história dos surdos e a origem da exclusão são contadas a partir de diversos recortes da história da humanidade. Ao reunir os momentos em que a historiografia registra a passagem dos surdos é possível tecer uma análise histórica sobre a representação dessas pessoas desde a antigüidade e sobre o reconhecimento na sociedade atual.

Na literatura mundial, os registros mais antigos são as passagens do antigo testamento que mostram que hebreus, egípcios e romanos já conviviam com os surdos e os consideravam inferiores. Rômulo, fundador de Roma, decretou no ano 753 a.C. que todas as crianças de até três anos que constituíssem um peso potencial para o Estado fossem sacrificadas. Os surdos estavam nessa lista. Já na Grécia antiga, predominava o ideal da beleza e da perfeição, representado pelos deuses gregos. Nesse contexto, os surdos eram considerados imperfeitos e incapazes de desempenhar qualquer atividade produtiva ou útil para o Estado. Heródoto, historiador grego, dizia que os surdos eram castigados por Deus. Até mesmo Aristóteles, que participava de um movimento filosófico baseado na experimentação, não acreditava na possibilidade de participação dos surdos na sociedade grega. Nessas sociedades antigas, os surdos ficavam restritos aos seus lares por vergonha da família. Essa situação perdura em algumas casas até os dias de hoje.

Por certo, a representação que se tinha dos surdos passa por lentas mudanças ao longo da história, mas o estigma da inferioridade ainda continua presente. No século XVIII, entretanto, essa situação começa a sofrer transformações radicais. Ao observar que os surdos pobres da periferia de Paris se comunicavam através de gestos, o Abade L’Epée (1712-1789) resolveu aprender essa forma de comunicação e criou a primeira escola pública para surdos com a metodologia de ensino baseada no uso da língua de sinais. Esse foi o primeiro passo para a valorização dos surdos enquanto pessoas capazes. Se há possibilidade de aprendizado e de desenvolvimento ao se empregar uma outra forma de ensino, então há uma igualdade cognitiva entre surdos e ouvintes. Esse modelo educacional se expandiu por toda a Europa e as escolas dos outros países passaram a utilizar as línguas de sinais nacionais.

O avanço na educação durou pouco mais de um século. Ele foi abafado pela força da medicina e por correntes filosóficas que refutavam a possibilidade de se comunicar e de ensinar através dos gestos. Em 1750 surge o método do oralismo, o qual considera a surdez uma patologia crônica, traduzida como uma lesão no canal auditivo que impede a aquisição da língua. Para os defensores do modelo médico, a voz é o único meio de comunicação e de educação. Nesse sentido, intervenções clínicas, segundo os médicos e fonoaudiólogos, podem corrigir a surdez e induzir à fala. Além disso, a concepção errônea de que a abstração só é possível através da comunicação oral e que o gestualismo leva ao pensamento concreto ajudou a reforçar a ideologia dominante. Sendo assim, o oralismo parte da idéia de uma “normalização” dos surdos. Em 1880, esse método foi oficialmente adotado no Congresso de Milão. Desde então, foram excluídas todas as possibilidades de uso das línguas de sinais nas instituições ou nas escolas que recebiam surdos. Orientada pelos professores, a família também passou a adotar o método em casa.

Seguiram-se anos de extrema repressão, em que simples gestos eram considerados caminhos para a língua de sinais e, portanto, estavam expressamente proibidos. No auge do oralismo, aquele surdo que utilizasse sinais era severamente punido. Às vezes tinha as mãos amarradas, eram impedidos de se encontrarem com outros surdos e sofriam castigos físicos. Eram verdadeiras perseguições que reforçavam cada vez mais o colonialismo dos ouvintes.

Durante o período em que predominou a ideologia oralista, alguns surdos continuaram com suas reuniões que se originaram nos banquetes de surdos franceses de 1834. Esses encontros eram bem mais do que simples reuniões. Eles nasceram puramente da necessidade de se comunicar, de encontrar um igual, pessoas que “falassem” a mesma língua e que se entendessem. Com o tempo conquistas e experiências foram sendo comunicadas. Depois da implantação do oralismo, as reuniões passaram a ser a resistência da cultura surda, pois era o único lugar onde a língua de sinais era usada, mesmo sendo proibida. As primeiras organizações francesas deram origem às associações de Surdos que se espalharam pelo mundo todo. Hoje, além de desempenhar uma função política e social, elas funcionam como lugares de rica convivência, troca de experiências, lazer, esporte e, principalmente, o fortalecimento da identidade Surda. Uma importante organização que surgiu da luta das associações é a Federação Mundial dos Surdos, entidade não-governamental que representa as comunidades surdas em organizações como a ONU, UNESCO, OMS e OIT.

Fonte: PERLIN, Gladis T. T. História dos Surdos. Caderno Pedagógico – Pedagogia para Surdos. Florianópolis: UDESC (Universidade do Estado de Santa Catarina/ CEAD, 2002. 107p

SKLIAR, C. (Org.) A Surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre, RS: Mediação, 1998.

Os surdos no Brasil

No Brasil, a história não foi muito diferente. Em setembro de 1857 surgiu na cidade do Rio de Janeiro a primeira escola de surdos brasileira a utilizar a língua de sinais, o Imperial Instituto de Surdos-Mudos, hoje chamado INES (Instituto Nacional de Educação dos Surdos). A iniciativa foi de Eduard Huet, professor surdo que havia se mudado da França para o Brasil naquela época e que seguia a mesma modalidade de ensino do abade L’Epée. Mas, assim como a educação na França, a língua de sinais no Brasil deixou de se desenvolver com o Congresso de Milão. Embora a influência do oralismo fosse forte, os surdos brasileiros buscaram alternativas de se comunicarem através da Língua Brasileira de Sinais (Libras). Organizaram-se em forma de associações para viverem aí a sua cultura.

No princípio eram apenas encontros que aconteciam nas escolas ou mesmo em pontos de encontro. O Instituto Nacional de Educação de Surdos do Rio de Janeiro é um desses famosos lugares, na rua das laranjeiras. Surdos de todo o país iam estudar na capital do Rio de Janeiro e a partir dessas reuniões informais surgiam algumas lideranças.

Na década de 50 surgiram as primeiras associações de surdos no Brasil, que depois de algum tempo começaram a se organizar politicamente. Associação Brasileira de Surdos-Mudos (Rio de Janeiro), Associação Alvorada dos Surdos (Rio de Janeiro) e Associação dos Surdos de São Paulo foram as primeiras do país. Hoje, praticamente todas as cidades que conseguem reunir um número mínimo de surdos para fundar uma associação o fazem. Elas estão espalhadas por todo o país, em cidades pequenas, médias ou grandes. O esporte tem sido um dos grandes responsáveis pelo intercâmbio entre as associações de todo o país, já que as competições esportivas reúnem surdos de diversos lugares. Esse é um fator importante para a troca de experiências sobre as lutas pelo reconhecimento nas várias regiões.

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