9.2.13

Filho da puta, graças a Deus

ANDREI BASTOS

A profissão mais antiga do mundo (eu não poderia começar este texto de outra forma) parece que será regulamentada (!), depois de cerca de 200 mil anos de batalha…

Sempre admirei o trabalho junto às prostitutas que minha amiga Pipsi Munk realiza na Europa, na ONG Amnesty for Women, e que despertou minha curiosidade pela vida dessas mulheres. Mas nunca passei perto dessa realidade até recentemente, no debate de que participei sobre regulamentação da prostituição.

A discussão foi acalorada, indo do argumento de que “com a regulamentação, uma prostituta terá a quem reclamar quando trabalhar em ambientes precários ou quando presenciar casos de exploração de menores”, apresentado pela socióloga e ex-prostituta Gabriela Leite, à afirmação da antropóloga e feminista Alana Moraes de que “legalizar os prostíbulos vai ao encontro dos interesses dos empresários da prostituição e parece não ser uma resposta eficiente, pois as meninas pobres continuarão a ser a ‘carne’ mais barata do mercado”.

Também fomos brindados pelo aplaudido juiz Rubens Casara, que disse que “chega a ser irônico que uma sociedade que trata o sexo como mercadoria criminalize as casas de prostituição”, e pelo autor do Projeto de Lei nº 4.211/2012, de regulamentação dos prostíbulos, deputado Jean Wyllys, que destacou da sua proposta a diferenciação entre prostituição e exploração sexual, o que ajudará no combate a esse crime, perpetrado principalmente contra crianças e adolescentes.

Assisti a tudo com atenção e ousei discordar apenas da equivalência que outra integrante da mesa fez entre prostituição e luta livre ou futebol, dizendo que eram atividades que igualmente usavam o corpo com a liberdade individual cabível e justa. Eu disse que acreditava na diferença entre o uso do corpo como fim, na prostituição ou como modelo fotográfico e artístico, quando a atividade se encerra no próprio corpo, e o uso do corpo como um meio para se alcançar objetivos diversos, como jogar futebol, lutar ou dançar.

Pareceu que não entenderam o que falei, mas Gabriela Leite surpreendeu com a resposta que me deu na sua fala final. Com a mesma suavidade com que antes afirmara que era puta porque gostava, ela disse que prostitutas não vendem o corpo e sim fantasias eróticas, sendo especializadas no que buscam clientes geralmente frustrados no casamento.

Fiquei comovido com essa mulher franzina, que luta também contra um câncer, com alegria de viver e um chapéu para esconder a ausência dos cabelos levados pela quimioterapia, fazendo questão de dizer que ele é Prada, de brechó, mas Prada! E admirando seus gestos suaves, eu a vi como a gueixa que vai às últimas consequências na arte milenar da sedução, entendendo a felicidade que encontrou como “filha, mãe, avó e puta” (título do seu livro).

Torço por essa regulamentação, para melhorar a vida das prostitutas e a de suas famílias, e para que qualquer um dos seus filhos possa agir como a neta de Gabriela que, agradecida e orgulhosa pela avó que tem, questiona a inexistência da expressão “neta da puta”, e, também agradecido, diga que é “filho da puta, graças a Deus”.

ANDREI BASTOS é jornalista, mas não é filho da puta.

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