Nas ruas, como na guerra
ANDREI BASTOS
Quando esticamos a memória e analisamos a “Guerra do Vintém”, de 1880, cuja reivindicação foi a revogação da cobrança de 20 réis, um vintém, nos bondes puxados a burro, identificamos paralelos com o que acontece hoje no país, que bem poderíamos chamar de “Guerra dos 20 Centavos”.
Em 1880, como agora, logo os políticos que tentaram se apropriar do movimento foram deixados de lado; em 1880, como agora, a polícia recebeu ordens de dispersar a multidão a cacetadas; em 1880, manifestantes viraram bondes, arrancaram trilhos e atiraram paralelepípedos nos soldados, como os de agora viraram carros, depredaram prédios e também jogaram pedras na polícia, mesmo como ações de minorias.
Em 1880, o oficial que comandava as tropas levou uma pedrada, descontrolou-se, e ordenou que atirassem na multidão, o que vem acontecendo agora, sem pedrada e sem descontrole, inclusive contra jornalistas que fazem a cobertura dos eventos.
Muito depois disso, durante a ditadura, em 1968 assistimos, no Rio de Janeiro, à maior manifestação da opinião pública até então, que entrou para a história como a Passeata dos 100 Mil e teve, diante do endurecimento do regime, a luta armada como desdobramento histórico, o que esperamos que não ocorra agora.
O Comício das Diretas Já, em 1984, que intimidou até o ex-ditador Ernesto Geisel, foi a última grande manifestação da opinião pública na ditadura e abriu caminho para a redemocratização do Brasil, que então, democraticamente, assistiu aos caras-pintadas conduzirem suas manifestações até o impeachment de Collor.
Mas o Brasil vive hoje um momento histórico único, sem a organização, lideranças e objetivos claros existentes nos anos de chumbo. Suas especificidades começam pelo antecedente do longo período de silêncio da opinião pública, que ficou calada, ao menos aparentemente, diante da verdadeira escalada de irresponsabilidade pública praticada principalmente por governantes e parlamentares, e fez nossa juventude parecer alienada.
Também como características próprias do momento atual, da nova e histórica Passeata dos 100 Mil no dia 17 de junho, temos sua multiplicidade de reivindicações, que acolheu todas as bandeiras com a dos 20 centavos e denuncia a liberação de forças sociais há muito represadas, e temos sua absoluta contemporaneidade, pelo uso das novas tecnologias de comunicação e das redes sociais para conscientização e mobilização.
A dimensão inédita desse momento transforma a todos em agentes da história, do trabalhador que sente o peso de 20 centavos no bolso ao jornalista que enfrenta os riscos inevitáveis de acompanhar os acontecimentos geralmente inseguros. Não tem sentido culparmos manifestantes ou policiais por quaisquer agressões que nos atinjam, pois a insegurança é a essência de toda transformação social de grandes proporções como a de agora.
Do mesmo modo que os capacetes azuis da ONU, que se arriscam em conflitos mundo afora, o jornalista tem o dever consigo mesmo de se identificar claramente em campo, quando se mistura a manifestantes ou policiais, a despeito de mesmo “uniformizado” continuar exposto a riscos, como um correspondente de guerra.
Finalmente, pode parecer exagerado discorrer aqui sobre eventos da história mas, na verdade, tal reflexão é essencial porque jornalistas atuaram e foram atingidos em todos eles e, consequentemente, ela serve para entendermos que buscas de garantias e segurança para trabalhar estão muito além de simples questões trabalhistas. São uma questão de resgate do papel social do jornalista!
*Andrei Bastos é candidato a vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro pela Chapa 1 – Linha Direta com Jornalistas.
Quando esticamos a memória e analisamos a “Guerra do Vintém”, de 1880, cuja reivindicação foi a revogação da cobrança de 20 réis, um vintém, nos bondes puxados a burro, identificamos paralelos com o que acontece hoje no país, que bem poderíamos chamar de “Guerra dos 20 Centavos”.
Em 1880, como agora, logo os políticos que tentaram se apropriar do movimento foram deixados de lado; em 1880, como agora, a polícia recebeu ordens de dispersar a multidão a cacetadas; em 1880, manifestantes viraram bondes, arrancaram trilhos e atiraram paralelepípedos nos soldados, como os de agora viraram carros, depredaram prédios e também jogaram pedras na polícia, mesmo como ações de minorias.
Em 1880, o oficial que comandava as tropas levou uma pedrada, descontrolou-se, e ordenou que atirassem na multidão, o que vem acontecendo agora, sem pedrada e sem descontrole, inclusive contra jornalistas que fazem a cobertura dos eventos.
Muito depois disso, durante a ditadura, em 1968 assistimos, no Rio de Janeiro, à maior manifestação da opinião pública até então, que entrou para a história como a Passeata dos 100 Mil e teve, diante do endurecimento do regime, a luta armada como desdobramento histórico, o que esperamos que não ocorra agora.
O Comício das Diretas Já, em 1984, que intimidou até o ex-ditador Ernesto Geisel, foi a última grande manifestação da opinião pública na ditadura e abriu caminho para a redemocratização do Brasil, que então, democraticamente, assistiu aos caras-pintadas conduzirem suas manifestações até o impeachment de Collor.
Mas o Brasil vive hoje um momento histórico único, sem a organização, lideranças e objetivos claros existentes nos anos de chumbo. Suas especificidades começam pelo antecedente do longo período de silêncio da opinião pública, que ficou calada, ao menos aparentemente, diante da verdadeira escalada de irresponsabilidade pública praticada principalmente por governantes e parlamentares, e fez nossa juventude parecer alienada.
Também como características próprias do momento atual, da nova e histórica Passeata dos 100 Mil no dia 17 de junho, temos sua multiplicidade de reivindicações, que acolheu todas as bandeiras com a dos 20 centavos e denuncia a liberação de forças sociais há muito represadas, e temos sua absoluta contemporaneidade, pelo uso das novas tecnologias de comunicação e das redes sociais para conscientização e mobilização.
A dimensão inédita desse momento transforma a todos em agentes da história, do trabalhador que sente o peso de 20 centavos no bolso ao jornalista que enfrenta os riscos inevitáveis de acompanhar os acontecimentos geralmente inseguros. Não tem sentido culparmos manifestantes ou policiais por quaisquer agressões que nos atinjam, pois a insegurança é a essência de toda transformação social de grandes proporções como a de agora.
Do mesmo modo que os capacetes azuis da ONU, que se arriscam em conflitos mundo afora, o jornalista tem o dever consigo mesmo de se identificar claramente em campo, quando se mistura a manifestantes ou policiais, a despeito de mesmo “uniformizado” continuar exposto a riscos, como um correspondente de guerra.
Finalmente, pode parecer exagerado discorrer aqui sobre eventos da história mas, na verdade, tal reflexão é essencial porque jornalistas atuaram e foram atingidos em todos eles e, consequentemente, ela serve para entendermos que buscas de garantias e segurança para trabalhar estão muito além de simples questões trabalhistas. São uma questão de resgate do papel social do jornalista!
*Andrei Bastos é candidato a vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro pela Chapa 1 – Linha Direta com Jornalistas.
Repórter Giuliana Vallone, que no dia 13 de junho levou um tiro de bala de borracha no olho, durante um protesto em São Paulo
0 Comentários:
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial