30.7.13

Pedras cariocas

O Globo, Opinião, 30/07/2013:

Pedras cariocas

ANDREI BASTOS

O prefeito Eduardo Paes pediu desculpas à atriz Beatriz Segall, de 87 anos, que tropeçou em pedras portuguesas soltas numa calçada da Zona Sul do Rio e machucou um olho seriamente. “É incrível como o Rio está abandonado”, denunciou a atriz, moradora de São Paulo.

Paes também disse: “Vida de prefeito é dura. Vai da calçada da Gávea ao deslocamento do Papa.” Ora, mesmo que só quisesse passear pelas calçadas da cidade que administraria, o prefeito teria que consertá-las, antes que idosos, cadeirantes, cegos e muletantes anônimos se acidentassem nos seus buracos, todos os dias, e que o tropeço de uma atriz famosa expusesse o problema.

Beatriz Segall tem razão quando denuncia o abandono do Rio, mas não quando diz que São Paulo está em melhores condições porque o povo de lá reclama mais. É preciso dizer que a acessibilidade nas calçadas dos paulistanos é encontrada em apenas 500 dos seus 30 mil quilômetros, segundo Mara Gabrilli, o que é ridículo e não alcança os tropeçantes anônimos da periferia.

Mas, longe de absolver Eduardo Paes, a comparação com São Paulo serve para expor a assustadora dimensão do problema, que aprisiona pessoas com deficiência, idosos e outras pessoas com mobilidade reduzida de todo o país em suas próprias casas. Se nos maiores centros urbanos do Brasil é assim, como será nas outras cidades?

Diante de tal dimensão e da confusão entre público e privado, pois as calçadas são consideradas como de responsabilidade dos proprietários dos imóveis adjacentes, fica evidente a urgência de se alterar a legislação, reconhecendo-se a calçada como espaço público, em definitivo, para facilitar a aplicação dos parâmetros de acessibilidade nelas. Em muitas outras cidades do mundo com calçadas acessíveis, sua construção e manutenção cabem ao poder público.

Um outro aspecto do episódio do tropeço de Beatriz Segall, talvez mais importante do que tudo, é que, guardadas as proporções, ele se soma a outros, entre os quais destaca-se o trágico incêndio da boate Kiss, na demonstração de que a acessibilidade beneficia a todas as pessoas, com ou sem deficiência, e é preciso que seus parâmetros sejam incorporados aos cursos universitários pertinentes, como arquitetura, engenharia e design.

Por tudo isso, prefeito Eduardo Paes, faça mais do que pedir desculpas à nossa querida atriz de São Paulo e, ao mesmo tempo, peça desculpas todos os dias às pessoas com deficiência, aos idosos e aos demais cidadãos com mobilidade reduzida do Rio de Janeiro: apresente um projeto de lei para fazer com que as calçadas sejam de responsabilidade única e explícita do poder público municipal e, sem esperar pela lei, comece a torná-las acessíveis.

Mesmo que o Rio não venha a se tornar uma Londres, onde as calçadas são acessíveis e uniformes e tudo mais a classifica como a cidade mais acessível do mundo, os moradores da Cidade Maravilhosa não podem correr o risco de que, num segundo tropeço, a educada Beatriz Segall, que aceitou o pedido de desculpas de Paes, incorpore a personagem Odete Roitman.

Andrei Bastos é jornalista.

***
Leia também:
A inclusão de crianças com deficiência na educação infantil

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial