Do profeta de Lenin: “Eu avisei”
O Estado de S. Paulo, 26/02/2009:
Do profeta de Lenin: “Eu avisei”
Kyle Crichton
The New York Times
Teoria dos ciclos de depressão capitalista, do economista russo Kondratieff, volta à discussão
Nikolai Kondratieff não foi exatamente um burocrata sem rosto na Rússia pós-revolucionária. Ele ocupou um importante cargo econômico no último e efêmero governo de Alexander Kerensky, antes de os bolchevistas tomarem o poder. Depois, ele fundou uma influente organização de pesquisa, o Instituto da Conjuntura, e se tornou um importante teórico da Nova Política Econômica de Lenin.
Mas ele há muito teria sido atirado à lata de lixo da história, não fosse por sua curiosa paixão acadêmica, que desenvolveu numa série de livros e estudos ao longo dos anos 1920. Revendo a história econômica desde fins do século 18, Kondratieff chegou a uma conclusão espantosa, fatídica: que as economias capitalistas estavam fadadas a experimentar ciclos regulares e previsíveis de cerca de 50 anos, culminando inevitavelmente em depressão.
Apesar de ter se tornado um comunista comprometido e autor de uma teoria de colapsos capitalistas inevitáveis, Kondratieff foi executado em 1938, vítima dos expurgos stalinistas.
Aparentemente, ele havia levantado questionamentos sérios ao recém-descoberto entusiasmo do governo por indústria pesada e coletivos agrícolas. Após passar oito anos no Gulag, ele deixou uma derradeira carta à sua filha, instando-a de maneira comovente a ser “uma garota boa e inteligente” e “não se esquecer de mim”. Foi um epitáfio adequado, pois sempre que Kondratieff parece prestes a ser esquecido, a economia mergulha de bico. E, de novo, talvez o mais sombrio dos praticantes da ciência está de volta às novas, que seus discípulos tentam encaixar nos ciclos, ou “ondas de Kondratieff”.
Kondratieff e seus discípulos – entre os quais Joseph Schumpeter, que escreveu sobre a “destruição criativa” do capitalismo – identificaram quatro estágios em cada ciclo, correspondendo às estações do ano. Após arrancar na fase da primavera, a economia atravessa todo o verão, experimenta uma queda assustadora quando surge o outono, e aí – apesar dos Tarp’s, Talf’s e o que mais os governos fizerem – mergulha num inverno que pode durar até 20 anos. Caso vocês não tenham notado, está ficando bem friozinho ultimamente.
Ao longo dos anos, o apelo de Kondratieff esfriou e desapareceu em contraponto com a economia e ressurgiu em tempos ruins. Mas sua teoria nunca foi aceita pelos economistas dominantes, que a consideram uma sala de espelhos misteriosa em que qualquer tipo de padrão pode ser discernido mudando-se datas de início e definições.
Os adeptos de Kondratieff já gritaram depressão antes, por exemplo, em 1982. Reportando sobre o burburinho que a teoria estava provocando durante aquela retração, o correspondente do New York Times, Paul Lewis, escreveu: “Segundo a análise de Kondratieff, o mundo foi apanhado na quarta grande retração econômica desde os anos 1790, um período de recessão global que provavelmente durará até perto do fim do século, quando uma nova era de prosperidade começará – e há pouco que se possa fazer”.
Hoje, os poucos discípulos de Kondratieff estão igualmente certos de que os maus tempos começaram em 2000, com o crash do mercado acionário. Esse foi sucedido pelo outono da era Bush, caracterizada por uma enorme expansão de dívida e alavancagem, na tentativa de manter a prosperidade dos anos de primavera e verão.
Evidentemente, as ondas tendem a ficar ao critério de cada um e o valor que possam ter é mais descritivo que preditivo. Afinal, a economia americana tirou de letra ultimamente várias quedas de mercado, como a de 2000, permitindo que os 25 anos que se seguiram a 1982 fossem de crescimento em grande parte contínuo. Mas na última década desse período, o crescimento dos Estados Unidos foi impelido pelo endividamento, numa tentativa desesperada de manter um nível insustentável de consumo, um estágio que a teoria de Kondratieff descreve com grande precisão.
“As pessoas que fazem as previsões geralmente não são determinantes na discussão da economia”, disse David Colander, um historiador econômico do Middlebury College e especialista em teóricos excêntricos. Mas economias “têm essa tendência a exceder” que Kondratieff e outros agarraram, acrescentou, e isso em grande parte se perdeu na moderna teoria econômica.
Ele oferece a Escola Austríaca como uma possível rival da linha de pensamento de Kondratieff. Os austríacos tendem a enfatizar a atitude de laissez faire e empreendedorismo (não é a mais popular das políticas neste momento) e limites rígidos ao crescimento da oferta monetária, usualmente atrelando a moeda ao padrão ouro.
Embora considerada fora das correntes dominantes, a Escola Austríaca é bem mais respeitável, contando com dois ganhadores do prêmio Nobel: Friedrich A. von Hayek e James M. Buchanan. Peter Schiff, da Euro Pacific Capital – um consultor do candidato presidencial libertário Ron Paul e um dos mais destacados profetas do Apocalipse do atual colapso – também assina embaixo de suas teorias.
Já se disse que Hayek previu com sucesso a Grande Depressão e alguns devotos da Escola Austríaca estão recebendo o crédito por haver previsto a atual. “O derretimento financeiro que os economistas da Escola Austríaca previam chegou”, escreveu Paul, em setembro, 11 dias depois de o Lehman Brothers pedir concordata.
Nos anos 1930, John Maynard Keynes substituiu Hayek e a Escola Austríaca na popularidade intelectual, estabelecendo sua “teoria geral” como a bíblia econômica das décadas do pós-guerra.
A linha austríaca de pensamento teve uma espécie de retorno nos anos Reagan, mas nunca ganhou muita aceitação, diz Colander. “Provavelmente deveria”, acrescenta: “Uma boa profissão devia levar seus intrusos mais a sério. Eles nos fazem olhar as coisas de maneiras diferentes. A pior coisa para formuladores de política econômica é eles pensarem que estão certos”.
Do profeta de Lenin: “Eu avisei”
Kyle Crichton
The New York Times
Teoria dos ciclos de depressão capitalista, do economista russo Kondratieff, volta à discussão
Nikolai Kondratieff não foi exatamente um burocrata sem rosto na Rússia pós-revolucionária. Ele ocupou um importante cargo econômico no último e efêmero governo de Alexander Kerensky, antes de os bolchevistas tomarem o poder. Depois, ele fundou uma influente organização de pesquisa, o Instituto da Conjuntura, e se tornou um importante teórico da Nova Política Econômica de Lenin.
Mas ele há muito teria sido atirado à lata de lixo da história, não fosse por sua curiosa paixão acadêmica, que desenvolveu numa série de livros e estudos ao longo dos anos 1920. Revendo a história econômica desde fins do século 18, Kondratieff chegou a uma conclusão espantosa, fatídica: que as economias capitalistas estavam fadadas a experimentar ciclos regulares e previsíveis de cerca de 50 anos, culminando inevitavelmente em depressão.
Apesar de ter se tornado um comunista comprometido e autor de uma teoria de colapsos capitalistas inevitáveis, Kondratieff foi executado em 1938, vítima dos expurgos stalinistas.
Aparentemente, ele havia levantado questionamentos sérios ao recém-descoberto entusiasmo do governo por indústria pesada e coletivos agrícolas. Após passar oito anos no Gulag, ele deixou uma derradeira carta à sua filha, instando-a de maneira comovente a ser “uma garota boa e inteligente” e “não se esquecer de mim”. Foi um epitáfio adequado, pois sempre que Kondratieff parece prestes a ser esquecido, a economia mergulha de bico. E, de novo, talvez o mais sombrio dos praticantes da ciência está de volta às novas, que seus discípulos tentam encaixar nos ciclos, ou “ondas de Kondratieff”.
Kondratieff e seus discípulos – entre os quais Joseph Schumpeter, que escreveu sobre a “destruição criativa” do capitalismo – identificaram quatro estágios em cada ciclo, correspondendo às estações do ano. Após arrancar na fase da primavera, a economia atravessa todo o verão, experimenta uma queda assustadora quando surge o outono, e aí – apesar dos Tarp’s, Talf’s e o que mais os governos fizerem – mergulha num inverno que pode durar até 20 anos. Caso vocês não tenham notado, está ficando bem friozinho ultimamente.
Ao longo dos anos, o apelo de Kondratieff esfriou e desapareceu em contraponto com a economia e ressurgiu em tempos ruins. Mas sua teoria nunca foi aceita pelos economistas dominantes, que a consideram uma sala de espelhos misteriosa em que qualquer tipo de padrão pode ser discernido mudando-se datas de início e definições.
Os adeptos de Kondratieff já gritaram depressão antes, por exemplo, em 1982. Reportando sobre o burburinho que a teoria estava provocando durante aquela retração, o correspondente do New York Times, Paul Lewis, escreveu: “Segundo a análise de Kondratieff, o mundo foi apanhado na quarta grande retração econômica desde os anos 1790, um período de recessão global que provavelmente durará até perto do fim do século, quando uma nova era de prosperidade começará – e há pouco que se possa fazer”.
Hoje, os poucos discípulos de Kondratieff estão igualmente certos de que os maus tempos começaram em 2000, com o crash do mercado acionário. Esse foi sucedido pelo outono da era Bush, caracterizada por uma enorme expansão de dívida e alavancagem, na tentativa de manter a prosperidade dos anos de primavera e verão.
Evidentemente, as ondas tendem a ficar ao critério de cada um e o valor que possam ter é mais descritivo que preditivo. Afinal, a economia americana tirou de letra ultimamente várias quedas de mercado, como a de 2000, permitindo que os 25 anos que se seguiram a 1982 fossem de crescimento em grande parte contínuo. Mas na última década desse período, o crescimento dos Estados Unidos foi impelido pelo endividamento, numa tentativa desesperada de manter um nível insustentável de consumo, um estágio que a teoria de Kondratieff descreve com grande precisão.
“As pessoas que fazem as previsões geralmente não são determinantes na discussão da economia”, disse David Colander, um historiador econômico do Middlebury College e especialista em teóricos excêntricos. Mas economias “têm essa tendência a exceder” que Kondratieff e outros agarraram, acrescentou, e isso em grande parte se perdeu na moderna teoria econômica.
Ele oferece a Escola Austríaca como uma possível rival da linha de pensamento de Kondratieff. Os austríacos tendem a enfatizar a atitude de laissez faire e empreendedorismo (não é a mais popular das políticas neste momento) e limites rígidos ao crescimento da oferta monetária, usualmente atrelando a moeda ao padrão ouro.
Embora considerada fora das correntes dominantes, a Escola Austríaca é bem mais respeitável, contando com dois ganhadores do prêmio Nobel: Friedrich A. von Hayek e James M. Buchanan. Peter Schiff, da Euro Pacific Capital – um consultor do candidato presidencial libertário Ron Paul e um dos mais destacados profetas do Apocalipse do atual colapso – também assina embaixo de suas teorias.
Já se disse que Hayek previu com sucesso a Grande Depressão e alguns devotos da Escola Austríaca estão recebendo o crédito por haver previsto a atual. “O derretimento financeiro que os economistas da Escola Austríaca previam chegou”, escreveu Paul, em setembro, 11 dias depois de o Lehman Brothers pedir concordata.
Nos anos 1930, John Maynard Keynes substituiu Hayek e a Escola Austríaca na popularidade intelectual, estabelecendo sua “teoria geral” como a bíblia econômica das décadas do pós-guerra.
A linha austríaca de pensamento teve uma espécie de retorno nos anos Reagan, mas nunca ganhou muita aceitação, diz Colander. “Provavelmente deveria”, acrescenta: “Uma boa profissão devia levar seus intrusos mais a sério. Eles nos fazem olhar as coisas de maneiras diferentes. A pior coisa para formuladores de política econômica é eles pensarem que estão certos”.
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