29.3.09

A democracia precisa mesmo de Senado?

MILTON COELHO DA GRAÇA

O princípio fundamental da democracia moderna é “cada pessoa, um voto”, sendo o voto universal e secreto. Para chegarmos ao conceito “universal”, foram muitos anos de luta até serem incluídas todas as cores de pele, os pobres, as mulheres e, finalmente, os analfabetos.

Mas ainda não chegamos ao “cada pessoa, um voto”. E o grande reduto de resistência à democracia plena e irrestrita é o Senado. Em outros países, ele tem outro sentido. Foi criado para que regiões independentes, ao serem integradas a um Estado nacional, tivessem garantia de representação federal, independentemente de sua área e população (casos da Alemanha e dos Estados Unidos, por exemplo). Ou para garantir que certos temas passem pelo crivo de uma elite (econômica, intelectual, guerreira e até esportiva) selecionada pela monarquia – esta desprovida de qualquer poder, mas símbolo da unidade e continuidade da nação (caso do Reino Unido e de outros poucos países).

Nada disse existe no Brasil. O Senado sempre foi ultramajoritariamente representativo das oligarquias proprietárias desde a sua criação. É só olhar as representações de cada estado e verificar os interesses que cada bancada representa. Nas regras para escolha dos senadores – desde a primeira Constituição, em 1824 –, a preocupação óbvia é a de preservar o controle pelos interesses dos mais ricos. Antes na Colônia, o regime de capitanias hereditárias fracassara e o monarca português logo instaurou um governo central e, com isso, evitou a fragmentação ocorrida no resto da América Latina. E, com isso, até a República, o Brasil sempre teve um poder unitário.

O império independente nasceu sob a inspiração de ideias liberais, mas centralizadoras de José Bonifácio, pelas quais nosso Pedro I enfrentou a bancada mais reacionária na Constituinte de 1823.

Na República é que a coisa mudou. O Exército derrubou Pedro II, mas teve o cuidado político não-revolucionário, porém conservador, de buscar o apoio dos grandes proprietários rurais através da Federação e de sua expressão parlamentar, o Senado.

Getúlio Vargas queimou as bandeiras dos Estados para deixar bem clara a sua disposição de recriar um país unitário, consagrada pela Constituição de 1937 e, só depois da queda do presidente em 1945 e com a Constituição de 1946, voltamos a ter senadores.

Na ditadura militar pós-1964, chegamos a ter senadores designados pelo ditador de plantão – logo apelidados pelo povo de “biônicos” – uma forma curiosa de voltar à aliança da Velha República entre militares e grandes proprietários. E tão empenhados em deixar obstáculos para a democracia que “inventaram” vários novos Estados e senadores, juntos com menos votos do que os deputados paulistas Clodovil e Maluf.

Hoje, felizmente, e graças à modernização do país já conseguimos colocar no Senado Paulo Paim (um negro), o respeitável franciscano Pedro Simon, o herdeiro do Pernambuco rebelde Jarbas Vasconcelos, o milionário gladiador dos pobres Eduardo Suplicy, um grupinho de 11 mulheres, em que se destacam positivamente Ideli Salvati, Marina Silva, Patrícia Saboya e Marisa Serrano (Kátia Abreu é a triste exceção que consegue até explicar trabalho escravo) e mais uns outros 15, no máximo, que nunca meteram a mão em cumbuca, procuram honestamente representar seus eleitores e não puxaram o saco dos ditadores militares. Mas isso é ainda muito pouco. O resto, amigos, nada tem a ver com a democracia de verdade nem com o país próspero, justo e decente que desejamos.

O resto inclui quase todos os 19 suplentes sem voto e é esmagadora maioria nessa representação política fajuta – deve chegar a uns dois terços do total, peitando a vontade do povo e a essência das liberdades democráticas.

O suplente de senador sem voto é, como jabuticaba, um daqueles fenômenos que só existem no Brasil. E levando em conta todas essas violações dos princípios democráticos, precisamos mesmo de Senado?

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O dólar na corda bamba

No governo Bush, o secretário do Tesouro, Hank Paulson, chegou a fazer três viagens a Tóquio e Pequim para garantir que os Estados Unidos não permitiriam uma queda no valor do dólar e, portanto, um calote indireto nos seu dois maiores credores – China e Japão – que, juntos, estão sentados em uns três trilhões de dólares, mais ou menos um quarto do PIB americano deste ano.

Aí, chegou o governo Obama e começou a tocar a guitarra produtora de dólares para tirar do sufoco os bancos, empresas e devedores americanos. Se isso não parar em certo momento, o dólar caminhará – lenta, mas seguramente – rumo ao buraco da desvalorização e da inconfiabilidade. Quem está cheio daqueles papéis verdes corre o risco de tomar um preju inesquecível.

A China sugere uma nova moeda de referência internacional – uma cesta de moedas em que entrariam o dólar, o euro e o yen – talvez o chamado “direito especial de saque” – que é mais ou menos isso.

Obama e uma porção de outras autoridades americanas responderam imediatamente: “Nem pensar numa coisa dessas.” Mas o secretário do Tesouro atual, Tim Geithner, disse numa reunião, anteontem, que “está aberto a conversar sobre isso”. O assunto é tão delicado que o dólar logo começou a cair e só sossegou depois que o próprio Geithner explicou que não era bem assim: “Acredito que o dólar continua sendo a moeda de reserva dominante do mundo.” E ontem mesmo o economista prêmio Nobel Joseph Stiglitz, dirigentes do FMI e outros já começaram a apoiar a tese chinesa.

Fiquem de olho. Se Obama voltar a dizer que precisará de mais dinheiro para esconjurar a crise, a idéia da China começará a receber novos apoios.

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Você acredita em um milhão de casas?

Eu até que acredito, mas muita gente no mercado financeiro acha que os investidores estrangeiros talvez resolvam esperar um pouco para ver se os planos de nosso governo para combater a crise não causarão qualquer risco à credibilidade do real – aquilo que é medido pelo “risco Brasil”. Ontem, estava em 407, bem melhor do que no início do mês, quando chegou a mais de 450.

407 significa que, quando o Brasil ou uma empresa brasileira pede dinheiro lá fora, o emprestador deve pedir 4,07% de juro anual mais do que a Libor – a taxa básica interbancária. Cada ponto a mais vale 0,01% na taxa de juros.

Até banqueiro suíço, ouvido por repórteres da Bloomberg News, chama o Reino Unido de hipócrita. No Reino Unido, US$ 1,5 trilhão de dólares de grandes fortunas familiares estão depositados em paraísos fiscais britânicos, ficando apenas pouco abaixo dos R$ 2 trilhões agasalhados pela Suíça.

A própria Confederação de Sindicatos Britânicos avalia que seu país deixe de recolher uns US$ 6 bilhões (o suficiente para o Brasil construir umas 350 mil casas populares, mais de um terço do milhão prometido pelo presidente Lula no pacote imobiliário). Com mais os US$ 8 bilhões que a Suíça, no mínimo, também perdoa a quem guardar dinheirinho à sombra dos Alpes, toda a infraestrutura do pacote também já estaria assegurada.

Pois, mesmo assim, o primeiro-ministro Gordon Brown resolveu criticar o sigilo bancário com esta frase em seu discurso (4 de março): “Quanto mais ficariam as poupanças de todos se todo o mundo acabasse se juntando para proibir os sombrios sistemas bancários e os paraísos fiscais no exterior?”

E o presidente da Associação de Bancos Suíços, Pierre Mirabaud, respondeu, através da Bloomberg, um tom acima: “Eu definiria a posição do senhor Brown e do governo britânico como cheia de hipocrisia.”

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