28.6.09

Cerimônia do adeus

O Estado de S. Paulo, 27/06/2009:

Cerimônia do adeus

Dora Kramer

Na quinta-feira, quando deixou de ir ao Senado para não ser obrigado a ouvir de novo as cobranças da véspera para que se afastasse da presidência da Casa, o senador José Sarney não perdeu apenas a apresentação do colega Pedro Simon outra vez no papel de conselheiro das causas perdidas.

Perdeu a última chance de simular controle da situação e, assim, cumpriu mais um ato do ritual da cerimônia de adeus iniciada por ele quando entregou ao primeiro-secretário, Heráclito Fortes, a prerrogativa de comandar o conserto dos estragos que há cinco meses se acumulam na forma de escândalos no Senado.

Ao tentar “amarrar” o apoio da segunda maior bancada da Casa, transferindo poder ao DEM, José Sarney já revelara o tamanho da sua fragilidade política.

Sem a unanimidade no PMDB, tendo contra si o PT, enfrentando o confronto explícito do líder do PSDB, alvo de uma denúncia atrás da outra de favorecimentos pessoais, impossibilitado de jogar ao mar com o vigor exigido o principal acusado e acuado por uma pressão que nem um advogado de defesa do jaez do presidente Luiz Inácio da Silva conseguiu aliviar, Sarney apoiava-se numa escora totalmente instável.

Quando atendia pelo nome de PFL, o DEM foi seu fiel companheiro de Aliança Democrática, compartilhou com ele o governo da Nova República, serviu de legenda à filha Roseana e a inúmeros aliados, agora recentemente deu-lhe votos para se eleger presidente do Senado, mas, no que concerne ao presente e, sobretudo ao futuro, o DEM tem outros planos.

A perspectiva de poder do partido está ligada aos projetos eleitorais do governador de São Paulo, José Serra, a quem Sarney reputa a condição de inimigo porque atribui a ele o desmonte da candidatura presidencial de Roseana, em 2002. Na frieza dos negócios da política, entre um que pode vir a ser e outro que deixa de ser, não há dúvida que se imponha e, portanto, nem decisão a ser tomada.

Muito provavelmente, o senador José Sarney também falava a respeito disso na nota oficial que divulgou naquela quinta-feira imputando suas agruras ao fato de ser um aliado do presidente Lula. Entregou ali todos os pontos. Admitiu ter percebido o crescente isolamento.

Confessava-se desprovido de argumentos para responder às acusações que o envolviam diretamente. Até porque o que pesa contra o presidente do Senado no momento não são denúncias de crimes dos quais possa se defender com documentos.

São velhos vícios, cuja prática dispensa comprovação e fala por si. Não há como Sarney negar os empregos dos parentes, a existência da troca de favores, a cessão de benefícios a afilhados, a proteção de agregados, a inadequação de atitudes, o uso particular do bem público por entendimento equivocado do que seja permitido ao ocupante de um alto cargo na República.

Quanto tempo José Sarney ainda ficará formalmente na presidência do Senado não se sabe. Podem ser dias, semanas ou meses. Já não importa.

Na prática, ele já abandonou o comando da Casa. E deixou isso muito claro na semana passada, quando informou que não estava ali para organizar-lhe as despensas, muito menos para remover-lhe os entulhos das lixeiras.

Aviso antecipado

O DEM e o PSDB só oficializam na semana que vem, mas já pediram formalmente o afastamento de José Sarney da presidência.

Na sessão de quinta-feira à tarde, o senador Demóstenes Torres informou ter “acabado” de receber do líder Agripino Maia autorização para divulgar a decisão e, em seguida, Marisa Serrano, falando em nome da liderança do PSDB, disse que os tucanos também seguem esse rumo.

Restará ao lado de Sarney a mesma base de sustentação que em 2007 ficou de braço dado com Renan Calheiros: a tropa de choque, a tropa do cheque e a bancada do PT carregando o andor da sua explícita e constrangida dubiedade.

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