Elas também estão nas ruas

Território JPPS - Jornalismo de Políticas Públicas Sociais, 29/05/2009:

Elas também estão nas ruas

As meninas, pouco lembradas quando se fala em população de rua, estão tomando as beiras das calçadas no Rio de Janeiro. Um exemplo claro dessa consequência gerada pela pobreza está estampado em um dos cartões postais da cidade, o bairro de Copacabana.

* Idelina Jardim

Ela só tem 14 anos. Já conhece as drogas, o sexo e a violência. A postura da adolescente I.M.S, que nasceu na rua, impressiona pelo modo como se defende de quem tenta uma aproximação. A doçura da menina que diariamente pode ser vista na Avenida Nossa Senhora de Copacabana com uma boneca na mão pedindo uns trocados – ganha um tom autoritário, quase masculino, inclusive estufando o peito, quando responde a um estranho. Dona de uma voz rouca – provavelmente causada pelo uso constante de substâncias tóxicas – a menina fétida, descalça e vestida com trapos, carrega nos pequenos ombros uma história de vida que emociona quem observa aqueles olhos que misturam tristeza e desconfiança. Depois de relatar que fora deixada num abrigo pela mãe quando tinha apenas 7 anos, que não conheceu o pai e não tem contato com nenhum dos 3 irmãos mais velhos - que também vivem nas ruas – e ainda sofre com a violência física e sexual, é possível entender a mudança estranha de comportamento dessa criança.

O questionamento que me veio à cabeça é o seguinte: Onde estão as garantias de acesso às políticas públicas essenciais para a vida como educação, saúde, cultura, habitação, entre outros? Depois me lembrei de mais um: Onde estão as atitudes concretas para uma política de inclusão social, num país governado por um presidente que mais desenvolveu programas sociais até hoje? As camadas mais pobres da população estão no foco de um problema nada invisível. As meninas, nas ruas de Copacabana, sentem na pele as pressões e os maus tratos até mesmo de quem deveria encaminhá-las para um lugar onde elas pudessem, então, serem ressocializadas.

- Tem guardas (municipais) que acordam a gente dando bicão (pontapés) – desabafou a adolescente num tom de revolta. – Se falar comigo na moral me levanto e sigo o meu caminho, mas desse jeito eu não aguento e acabo xingando e jogando pedras neles. Mas isso piora tudo porque eles correm atrás de mim e às vezes me alcançam e me levam para a delegacia. De lá vou para um abrigo e depois fujo. Porque a minha vida é fugir de abrigo desde que eu era pequeninha.

A menor I.M.S revelou que nasceu em Duque de Caixas, na Baixada Fluminense, e garantiu que estudou até a quarta série do ensino fundamental num Ciep da região. Depois do abandono da mãe na infância, chegou a reencontrá-la, mas o encontro, segundo ela, durou pouco. Sua mãe está presa por envolvimento com o tráfico. Na falta da presença materna, a adolescente encontra refúgio junto às amigas da mesma idade. A mais próxima, a quem chama de prima é P.L.S, que teve a mãe assassinada e alguns de seus familiares estão localizados no morro Chapéu Mangueira, no Leme. Apesar disso, prefere as ruas.

Inocência

E foi entre uma curva e outra que a personagem principal, a amiga- prima, I.M.S, conheceu seu namorado, 3 anos mais velho. Foi o primeiro rapaz com quem se envolveu intimamente. O uso de preservativo parece não ser adotado. Pois a menina preferiu desconversar.
Isso eu não sei, tia – respondeu coçando a cabeça. – Quem sabe é o meu namorado. Eu gosto dele e já tem mais de um ano que a gente namora. Mas quando aparecem outros garotos fazendo graça eu mando logo se enxergar.

No encontro entre realidades iguais, ambos parecem viver sem preocupação com a moradia pública. O rapaz observou a entrevista de longe, sob o olhar atento e uma baforada de cigarro. No que diz respeito às drogas, a menina informou que diferente dos seus colegas de ruas, não faz uso de cola. No entanto, vez ou outra, dá um pitaco numa pedra de craque e frequentemente usa maconha.

Sonho

Depois de um depoimento tão real, a menor de rua concluiu dizendo que para ela, “a vida é um inferno, uma desgraça que não leva a nada”. Em seguida, apresentou um discurso surpreendente movido pela preocupação com quem também mora nas ruas.
- Penso em mudar de vida, quero estudar para ser juíza e defender as criancinhas e as mães delas – disse, talvez, relembrando seu passado.

É comum observar porteiros, seguranças de lojas e pessoas que passam pelas calçadas desviarem dessas meninas por medo ou nojo. Pouco depois da entrevista, um segurança de uma lanchonete próxima à Rua Xavier da Silveira expulsou a menina aos gritos quando ela tentava uma aproximação do local. Como resposta a sua atitude, o homem disse que “essas crianças são um saco e não se pode não dar mole. Elas perturbam o cliente pedindo dinheiro”.

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