4.12.09

A alegria da meninada é a rua

DARCY RIBEIRO *

Não existe menor abandonado em nenhum país civilizado. Isso é uma impossibilidade tão gritante que eu, muitas vezes, tive que explicar por que temos tantos. São “coisa” nossa.

Assim é, porque naqueles países a cada criança corresponde uma escola onde ela passa o dia inteiro. Se foge ou escapa, é devolvida pela polícia ou pelo juiz, que até pode prender os pais. Lá não há, pelas mesmas razões, meninos de rua, que são também coisa nossa. Uns e outros são gerados por nossa escola de turnos.

Quando as cidades brasileiras incharam, com os milhões de gente expulsas do campo pelo medo da aplicação, ali, da legislação trabalhista, em lugar de mutiplicarmos as escolas ruinzinhas que tínhamos, as desdobramos em turnos: dois, três e até mais.

Nossa escola primária, de pouquíssimas horas, se especializou, desde então, no atendimento a crianças das classes médias, que já chegam a ela bem preparadas para a alfabetização. Têm casa onde se lê e onde há uma pessoa já escolarizada que as ajuda nos estudos.

A criança popular, que não tem tal casa nem a tal ajuda, porque provém de uma família sem escolaridade prévia, vê-se condenada à reprovação.

Ao fim de longos anos, uns poucos conseguem concluir a 4ª série, que é quando efetivamente se alfabetizam. O que chamamos de alfabetizado é, na maioria dos casos, quem apenas desenha o nome, incapaz de escrever uma carta, ler um anúncio de jornal ou fazer uma conta. É um marginal da civilização letrada, sem qualquer capacidade de continuar aprendendo na escola ou por seu esforço.

O pior dessa história é que floresce no Brasil uma pedagogia tarada e vadia, segundo a qual o fracasso da criança pobre na escola é culpa dela própria. A escola não tem nada a ver com isso, nem tem que se comover.

Na verdade das coisas, a criança brasileira das favelas e das periferias das metrópoles é tão maltratada pelo sistema educacional que o governo lhe dá, que seu destino melhor é a rua.

Ruim é ficar em casa, curtindo fome, roubar na feira com risco de morte ou ir para o lixo procurar alguma porcaria comível. Muitíssimo melhor é a aventura da vida urbana em seu esplendor de luzes, vitrines, carros, passantes e sons, além da possibilidade de roubar alguém para comer e cheirar cola.

Melhor ainda é abraçar a carreira de “aviador” no tráfico, que ganha bom dinheiro para a família e vive, entre a criançada, o papel de herói até que seja cravejado de balas - pela polícia ou pelos traficantes.

* Em 09/1995

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