14.2.10

Desconstruindo guetos

ANDREI BASTOS

Ana Cláudia Monteiro, presidente do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência do Município do Rio de Janeiro (Comdef-Rio), defendeu, em recente entrevista, a adaptação de todos os setores do Sambódromo, de acordo com a Lei Municipal 273/81, e não apenas das frisas 13 e 04, que ainda assim apresentam problemas de acessibilidade.

Segundo Ana, e ela tem razão, as pessoas com deficiência devem poder assistir ao desfile das escolas de samba de onde quiserem, com quem quiserem e com o dinheiro que tiverem. Atualmente, se um cadeirante comprar ingressos para assistir ao desfile com um grupo de amigos em qualquer setor que não seja o 04, ao chegar no lugar escolhido, por razões de segurança será encaminhado para o setor 13, onde só poderá ficar com um acompanhante.

Por dia de desfile, este setor oferece 300 ingressos gratuitos para pessoas com deficiência, sendo que, como dito acima, cada uma só pode levar um acompanhante. Essa gratuidade é plenamente justificada em função da realidade sócio-econômica da maioria do segmento, mas não poderá servir de modo algum para a legitimação do que podemos muito apropriadamente chamar de “Gueto da Sapucaí”.

A presidente do Comdef-Rio propôs que a reforma do Sambódromo, também projetada por Oscar Niemeyer, incorpore um arquiteto especialista em acessibilidade e a Riotur topou. Com isso, é possível que já no carnaval de 2011, este seja um dos muitos guetos desconstruídos pelo processo de verdadeira inclusão das pessoas com deficiência.

O Gueto da Sapucaí é emblemático e retrata bem o que acontece em toda a sociedade, tanto material quanto conceitualmente. Por isso mesmo, sua desconstrução tem grande valor simbólico e servirá de estímulo para o fim de todos os outros.

Embora muitas das iniciativas de caráter exclusivista para as pessoas com deficiência, como, por exemplo, comissões legislativas ou institucionais e secretarias de governos, sejam bem intencionadas e honestas em suas origens, o simples fato de constituírem campos à parte para os encaminhamentos das questões do segmento já as estigmatiza como segregadoras, como construtoras de guetos.

Tal equívoco, infelizmente, não é cometido apenas por pessoas sem deficiência, que não têm a vivência do problema e, portanto, dificilmente se conscientizam de verdade sobre as questões da exclusão. Muitos de nós, pessoas com deficiência, também pecamos no favorecimento e fortalecimento desses guetos que precisamos desconstruir.

É verdade que nossa vida é mais difícil do que a vida difícil dos outros. Nós temos, em tempo integral, o adicional das dificuldades físicas, intelectuais e sensoriais em nosso dia a dia, em nossas realizações mais banais. Muitas vezes essa situação nos leva a cair na armadilha de nos colocarmos no papel de coitadinhos ou de super heróis e turvamos a visão de nós mesmos com imediatismos e soluções individuais.

Mesmo sem considerar os oportunismos politiqueiros ou carreiristas, pois afinal somos seres humanos como os outros, a simples aceitação do tratamento exclusivista, ao contrário de representar um ganho de autonomia e liberdade, na verdade nos torna mais prisioneiros do que os que padeceram em campos de concentração. E o pior é que tais prisões e masmorras têm fundações mais profundas que as mais complexas obras de engenharia, pois são culturais, e podem estar sendo construídas também por nós mesmos.

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