24.2.13

Mobilidade vital

O Globo, Opinião, 24/02/2013:

Mobilidade vital

ANDREI BASTOS E IZABEL MAIOR

Mais do que despertar a nós, pessoas com deficiência, para a luta pela nossa inclusão nas rotas de fuga de incêndios, a tragédia de Santa Maria nos desperta para o entendimento de que a acessibilidade arquitetônica por que tanto lutamos, e que já sabemos que atende à mobilidade de todas as pessoas, pode salvar vidas em situações iguais ou equivalentes.

Entre as pessoas com deficiência física, é conhecida a citação que diz que “onde passa um cadeirante, passa qualquer um”. Se encararmos esse dito profundamente e efetivarmos as conclusões da sua análise, que já substanciam a norma de acessibilidade da ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas (NBR 9050), de 2004, já teremos meio caminho andado para evitar tragédias que ignoram ausência de deficiência e existência de juventude, como no caso das vítimas do incêndio na boate Kiss.

Em Santa Maria não houve fatalidade, e sim uma cadeia de irresponsabilidades de que não se conhece nem o começo nem o fim, tampouco o grau de culpabilidade dos envolvidos. Um soco no estômago de cada um de nós que não estava lá, embora prestes a cair em igual arapuca a qualquer momento. Reação está sendo a palavra de ordem. Ação preventiva como nunca poderia deixar de acontecer. Estabelecimentos vistoriados às pressas e lacrados por não apresentarem condições de funcionamento desde sempre, embora tolerados.

Os frequentadores como idosos, crianças e pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida não têm a mínima chance de sobrevivência nas “boates Kiss” que existem por aí. E não é por falta de regra de acessibilidade. Tanto as normas técnicas de construção e de segurança como o Decreto 5.296/2004 determinam as condições obrigatórias a serem cumpridas. Esse decreto contém parâmetros de acessibilidade para alcançar o desenho universal, que não é específico das pessoas com deficiência, já que teria salvado a vida dos frequentadores da festa trágica. Ele diz o seguinte:

“Art. 23. Os teatros, cinemas, auditórios, estádios, ginásios de esporte, casas de espetáculos, salas de conferências e similares reservarão, pelo menos, dois por cento da lotação do estabelecimento para pessoas em cadeira de rodas, distribuídos pelo recinto em locais diversos, de boa visibilidade, próximos aos corredores, devidamente sinalizados, evitando-se áreas segregadas de público e a obstrução das saídas, em conformidade com as normas técnicas de acessibilidade da ABNT.

“§4º Nos locais referidos no caput, haverá, obrigatoriamente, rotas de fuga e saídas de emergência acessíveis, conforme padrões das normas técnicas de acessibilidade da ABNT, a fim de permitir a saída segura de pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida, em caso de emergência.”

Das providências mais simples, como rampas de pouca inclinação e largura adequada, às mais complexas, como padrões de sinalização e, indo além dos “locais referidos no caput”, alinhamentos entre pisos de plataformas e trens, e ônibus e meios-fios, todos os requisitos de acessibilidade colaboram decisivamente para condições de circulação que podem salvar vidas em situações de pânico coletivo.

Andrei Bastos é jornalista
Izabel Maior é médica e foi secretária nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência.

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