Omissão e silêncio
O Globo, Tereza Cruvinel, 19/08/2007:
Omissão e silêncio
Os Jogos Para-Pan, que se encerram hoje no Rio, deixaram lições inesquecíveis sobre a grandeza e a força dos que superam seus limites. O legado destes jogos devia ser uma pausa mínima da sociedade para pensar nos 25,6 milhões de brasileiros portadores de alguma deficiência. É um grande contingente, 13% da população. Ao longo de séculos, uma sociedade perversa preferiu ignorá-los ou escondê-los. Isso mudou muito, mas preconceito ainda existe, direitos ainda são negados, há boas leis, mas descumpridas. Agora tramita na Câmara o Estatuto do Deficiente. Ele divide as entidades, mas a sociedade e os partidos passam ao largo.
Passam ao largo por achar que este é um problema de uma minoria, que não lhes diz respeito. Um comportamento equivalente ao das famílias que antigamente escondiam os seus "diferentes" no quarto dos fundos. A maior conquista deles nos anos recentes foi tornarem-se sujeitos da luta pelos próprios direitos.
É do senador Paulo Paim (PT-RS) a proposta do Estatuto, lei maior que deve abarcar toda a legislação sobre o tema. Ele é autor do já aprovado Estatuto do Idoso e do Estatuto da Igualdade Racial, em tramitação também. Para aprová-lo no Senado, atuou em estreita parceria com o senador Flávio Arns (PT-PR), outro parlamentar militante, ligado às Apaes, presidente da ABDEM – Associação Brasileira de Desporto para Deficientes.
O projeto tramitou sob aquele silêncio das propostas sem lobby. Com a votação marcada, na semana passada, o ministro-chefe da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo Vanucci, soube da reação das entidades no Conade (Conselho Nacional de Defesa dos Direitos dos Deficientes). Foi pessoalmente à Câmara negociar com o relator, Celso Russomano (PP-SP). Eis que surge também uma frente parlamentar pró-deficientes, coordenada pelo deputado Geraldo Resende (PMDB-MS), e pede providencialmente a retirada do projeto de pauta. Vanucci tenta ser um mediador . Não vê ameaça no Estatuto , mas acha que ele não pode colidir com o entendimento do Conade.
Por que as entidades são contra , se aparentemente um Estatuto é uma conquista, uma lei de grande alcance? A maior parte delas acha que ele pode significar retrocesso, não avanço, como diz Teresa Costa d’Amaral, uma guerreira, presidente do IBDD – Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência:
- Somos contra o Estatuto. A Constituição é o estatuto de todo brasileiro, com deficiência
ou não. Um estatuto fará de cada deficiente um cidadão diferente, contrariando as decisões do segmento, sua história e suas conquistas, na perspectiva da inclusão.
Este também é o argumento de Andrei Bastos:
- Já existem leis que resguardam os direitos dos portadores de deficiências. O que é preciso é cobrar do Executivo o cumprimento delas. Não queremos o Estatuto do coitadinho.
Teresa acha que o estatuto, "prolixo, repetitivo e inexeqüível em seus 287 artigos", levaria à revogação de muitas leis já em vigor, inclusive a obrigação estabelecida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação quanto ao acesso à escola regular, inclusiva. Seria comprometida a implementação dos prazos fixados pela Lei de Acessibilidade, para os entes federativos implantarem os acessos aos logradouros e locais públicos e de uso coletivo. E para que as empresas de ônibus façam adequações para usuários de cadeiras de roda. Hoje, apenas 20% das escolas têm acessos especiais. Vanucci diz que este ano a Secretaria vai reformar 270 escolas, mil em 2008, e 2000 nos anos seguintes, como meta.
Deve ser difícil para Paim, engajado na defesa das minorias, lidar com a rejeição à proposta.
- São receios justos, devemos conversar, mudar o que não esteja claro. Mas, se apontarem um só ponto prejudicial aos deficientes, eu rasgo o Estatuto.
Talvez não seja o caso, talvez seja. Falta debate, falta atenção geral ao tema.
Omissão e silêncio
Os Jogos Para-Pan, que se encerram hoje no Rio, deixaram lições inesquecíveis sobre a grandeza e a força dos que superam seus limites. O legado destes jogos devia ser uma pausa mínima da sociedade para pensar nos 25,6 milhões de brasileiros portadores de alguma deficiência. É um grande contingente, 13% da população. Ao longo de séculos, uma sociedade perversa preferiu ignorá-los ou escondê-los. Isso mudou muito, mas preconceito ainda existe, direitos ainda são negados, há boas leis, mas descumpridas. Agora tramita na Câmara o Estatuto do Deficiente. Ele divide as entidades, mas a sociedade e os partidos passam ao largo.
Passam ao largo por achar que este é um problema de uma minoria, que não lhes diz respeito. Um comportamento equivalente ao das famílias que antigamente escondiam os seus "diferentes" no quarto dos fundos. A maior conquista deles nos anos recentes foi tornarem-se sujeitos da luta pelos próprios direitos.
É do senador Paulo Paim (PT-RS) a proposta do Estatuto, lei maior que deve abarcar toda a legislação sobre o tema. Ele é autor do já aprovado Estatuto do Idoso e do Estatuto da Igualdade Racial, em tramitação também. Para aprová-lo no Senado, atuou em estreita parceria com o senador Flávio Arns (PT-PR), outro parlamentar militante, ligado às Apaes, presidente da ABDEM – Associação Brasileira de Desporto para Deficientes.
O projeto tramitou sob aquele silêncio das propostas sem lobby. Com a votação marcada, na semana passada, o ministro-chefe da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo Vanucci, soube da reação das entidades no Conade (Conselho Nacional de Defesa dos Direitos dos Deficientes). Foi pessoalmente à Câmara negociar com o relator, Celso Russomano (PP-SP). Eis que surge também uma frente parlamentar pró-deficientes, coordenada pelo deputado Geraldo Resende (PMDB-MS), e pede providencialmente a retirada do projeto de pauta. Vanucci tenta ser um mediador . Não vê ameaça no Estatuto , mas acha que ele não pode colidir com o entendimento do Conade.
Por que as entidades são contra , se aparentemente um Estatuto é uma conquista, uma lei de grande alcance? A maior parte delas acha que ele pode significar retrocesso, não avanço, como diz Teresa Costa d’Amaral, uma guerreira, presidente do IBDD – Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência:
- Somos contra o Estatuto. A Constituição é o estatuto de todo brasileiro, com deficiência
ou não. Um estatuto fará de cada deficiente um cidadão diferente, contrariando as decisões do segmento, sua história e suas conquistas, na perspectiva da inclusão.
Este também é o argumento de Andrei Bastos:
- Já existem leis que resguardam os direitos dos portadores de deficiências. O que é preciso é cobrar do Executivo o cumprimento delas. Não queremos o Estatuto do coitadinho.
Teresa acha que o estatuto, "prolixo, repetitivo e inexeqüível em seus 287 artigos", levaria à revogação de muitas leis já em vigor, inclusive a obrigação estabelecida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação quanto ao acesso à escola regular, inclusiva. Seria comprometida a implementação dos prazos fixados pela Lei de Acessibilidade, para os entes federativos implantarem os acessos aos logradouros e locais públicos e de uso coletivo. E para que as empresas de ônibus façam adequações para usuários de cadeiras de roda. Hoje, apenas 20% das escolas têm acessos especiais. Vanucci diz que este ano a Secretaria vai reformar 270 escolas, mil em 2008, e 2000 nos anos seguintes, como meta.
Deve ser difícil para Paim, engajado na defesa das minorias, lidar com a rejeição à proposta.
- São receios justos, devemos conversar, mudar o que não esteja claro. Mas, se apontarem um só ponto prejudicial aos deficientes, eu rasgo o Estatuto.
Talvez não seja o caso, talvez seja. Falta debate, falta atenção geral ao tema.
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