27.4.08

Calorias e preconceitos

MARTA GIL (*)

Reza a lenda que Calorias são seres minúsculos, praticamente invisíveis, que se escondem nos armários (têm preferência pelos femininos) e trabalham a noite toda, apertando as roupas.

Já os Preconceitos são seres com características semelhantes de tamanho e invisibilidade, que formam uma família grande, mas todos têm um traço em comum: a violência, seja moral ou física.

Alguns Preconceitos circulam livremente à luz do sol, pois não têm medo de serem vistos. Acham que têm razão e por isso se mostram. São truculentos e valentões. Massacram quem não concorda com seus pontos de vista, pois não têm argumentos que resistam à reflexão ou à comprovação. Reproduzem-se de forma exuberante especialmente em algumas épocas da História, em diferentes lugares. Basta lembrar da prima Eugenia, que reinou absoluta na Alemanha nazista, nos primos Apartheid da África do Sul, nos diversos momentos de escravidão, que se apoiaram no ramo do Racismo. A geração mais jovem, os Bullying, está na crista da onda; mas, na verdade, eles estão por aí desde sempre, só modernizaram seu nome e estão mais conhecidos.

Outros Preconceitos, mais próximos das Calorias, se escondem em locais escuros e improváveis. São mestres do disfarce. Parecem inocentes e têm cara de bonzinho, o que dificulta sua identificação. Lembram o Gato do Shrek, que tem aquele olhar meigo, carente…e de repente mostra as garras. É difícil identificá-los e desmascará-los. Estão em toda a parte, mas têm predileção por escolas e empresas. Por conta das mudanças sociais, assumem diversas identidades, da sutil à declarada. Recentemente um Preconceito foi detectado em uma escola, que recebeu uma criança com síndrome de Down e, um belo dia, soltou um flato, coisa que ocorre com todos nós. Mas o Preconceito estava ligadão e não ia perder esta oportunidade de ouro! Fez as professoras ligarem para a mãe, que saiu correndo de seu trabalho, passou em casa para pegar uma muda limpa de roupas e voou para a escola. Chegando lá, viu seu filho feliz e brincando: tinha sido só um flato, sem maiores conseqüências. Se fosse outra criança, sem deficiência, o Preconceito não teria esta oportunidade e não ficaria tão satisfeito consigo mesmo.

Alguns Preconceitos são musicais e podem ser encontrados em marchinhas de Carnaval (“Eu sou o pirata da perna de pau, do olho de vidro, da cara de mau”) ou em sambas (“Nega do cabelo duro, qual é o pente que te penteia”, “Quem não gosta de samba, bom sujeito não é, é ruim da cabeça ou doente do pé”, “Como a cor não pega, mulata, mulata quero teu amor”) e outros. Este é um ramo da família extremamente resistente, pois fica na cabeça das pessoas, que saem cantarolando e os reproduzem, sem serem percebidos.

Outro ramo da família dos Preconceitos estabeleceu no Reino da Carochinha, onde o diferente, o que não é como todos mora no coração da floresta, como os 7 anões, que formam uma comunidade fechada e desconhecida. Alguns são malvados, como o Capitão Gancho. No Reino da Literatura Clássica o disforme, o que-não-é-como-os outros também vive escondido e envergonhado, como o Corcunda de Notre Dame ou o Fantasma da Ópera. Ou é um ser amargo e atormentado, como o Capitão Ahab, que persegue Moby Dick incessantemente, considerando-a culpada por ter ficado sem sua perna.

Paula Maciel, da Argentina, é especialista em um grupo de Preconceitos, as “frases assassinas”, que recebem este nome por seu poder de imobilizar as pessoas e inviabilizar ações, matando-as antes que nasçam. “Falei que não ia dar certo”, “É melhor não mudar”, “Não temos recursos” são dignos e eficientes representantes da família.

Como o Preconceito começou?

Segundo alguns estudiosos, ele está conosco desde o início da Humanidade. Entendem que ele teve um papel fundamental para garantir nossa sobrevivência, enquanto espécie.

O que é o pré-conceito?

É a capacidade de formar juízos (conceitos) e tomar decisões muito rapidamente. Imagine um grupo de homínidas à procura de alimento em um ambiente hostil. Estão famintos e encontram um fruto. É preciso decidir: é de comer? É venenoso? Come com a casca? E o caroço? Parece com outro que já comeu? Se sim, como se sentiu depois? Se não decidir e agir rapidamente, o outro rouba o fruto – ou continua com fome.

Situações semelhantes aconteciam quando o grupo se deparava com outro grupo de homínidas ou com um animal.

Assim, o ser humano desenvolveu a habilidade de criar classificações e aplicá-las imediatamente.

Os tempos mudaram, mas o ser humano conservou esta capacidade, que já não é útil para a sobrevivência. As pessoas continuam a ser classificadas: gordos são alegres e gostam de contar piada; negros gostam de samba e futebol; surdos são irritadiços; loiras são burras. Estas classificações são perversas: como que colocam um espelho na frente das pessoas rotuladas e dizem: “Você é isso”. “Esperamos que faça isso ou aquilo”.

Estas expectativas são moldes, que limitam as pessoas, seus talentos e habilidades. Restringem o nosso olhar e procuram restringir o olhar da própria pessoa, que muitas vezes acredita que só é aquilo que a sociedade diz, só vê o que o espelho mostra.

Como acabar com a família dos Preconceitos?

É mais difícil do que acabar com as Calorias. Estas requerem mudança de hábitos alimentares e exercícios físicos, na maioria das vezes. Contra os Preconceitos é preciso jogar a luz da Informação sobre eles, que não a toleram e saem desabalados. Assim, abrem caminho para que a Inclusão chegue e ocupe o espaço onde eles estavam.

Se eles vão voltar?

Sem dúvida nenhuma, muitas e muitas vezes. São resistentes e teimosos, estes monstrinhos. Afinal, por muitos anos ficaram no “bem bom”, tendo do bom e do melhor. E os seres humanos, seus hospedeiros, também resistem às mudanças, pois mudar dá trabalho.

Porém, uma coisa é certa: a cada vez que a Informação os ilumina e os desmascara, eles se enfraquecem e a Inclusão conquista mais adeptos e espaços.

Até que um dia….

(*) Marta Gil é socióloga, consultora na área da Deficiência e Coordenadora Executiva do Amankay Instituto de Estudos e Pesquisas.

* Colaboração: Tânia Lopes

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