8.6.08

Entrevista à Rádio CBN

O programa CBN Rio me entrevistou, dia 07/06/2008, a propósito de Seminário do Tribunal de Justiça sobre Acessibilidade no Rio de Janeiro.

(Clique aqui e ouça a entrevista)

Transcrição:

Andréa Ferreira – Agora 10h15m. O Tribunal de Justiça do Rio realizou ontem o primeiro seminário “Sensibilizar, Um Novo Olhar sobre Acessibilidade”, com o objetivo de alertar o público para os direitos da pessoa com deficiência, a questão da acessibilidade no Rio, mas está distante da solução encontrada, por exemplo, em países de primeiro mundo. Vamos conversar sobre esse assunto com Andrei Bastos, que é membro do Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Andrei, bom dia.

Andrei Bastos – Bom dia, Andréa. Bom dia, ouvintes da CBN.

Andréa – Andrei, qual é a situação hoje, as dificuldades encontradas pelo portador de deficiência em relação ao acesso, por exemplo, nos prédios públicos?

Andrei – As dificuldades são enormes, Andréa, são dignas de último mundo e não de primeiro mundo. Nessa luta, a Justiça e o Ministério Público têm sido aliados muito bons e muito fortes das pessoas com deficiência. Nós podíamos falar de três aspectos principais. Primeiro, as vias. Nós esperávamos que os Jogos Pan-americanos deixassem o famoso legado para a Cidade do Rio de Janeiro em termos de acessibilidade nas vias públicas, nos equipamentos urbanos, nos estádios, no transporte coletivo, e isso não aconteceu. O que nós vemos são ruas esburacadas e construções totalmente inadequadas. Nós temos também a falta de acessibilidade nos prédios públicos do Município, do Estado e da União. O IBDD entrou com uma ação civil pública no dia 4 de junho do ano passado para que se cumprisse o decreto 5.296, que determina a acessibilidade nos prédios públicos e, no entanto, essa ação não chegou a uma conclusão porque os entes federativos não entregam as suas listas de prédios, de construções e, ao contrário do que disse a arquiteta Verônica Camisão, consultora da Prefeitura, não é simples de resolver, fazer esse levantamento, como ela disse. Porque só agora, dia 27 de maio, o procurador do município conseguiu entregar relatórios descritivos das construções na área de educação e de saúde do município, dizendo o que é acessível e o que não é? Então, a situação é terrível.

Andréa – Não existe uma legislação, uma lei que obrigue tanto prédios públicos, prédios privados, garantindo acessibilidade para o portador de deficiência?

Andrei – Existe a lei, a Lei da Acessibilidade. E a lei foi regulamentada pelo decreto 5.296, de 2004, assinada pelo presidente Lula, só que ninguém cumpre a lei, a verdade é essa. O Brasil tem a melhor legislação das Américas para as pessoas com deficiência e, no entanto, é o último no cumprimento dessas leis. Nós esperamos que a ratificação da Convenção da ONU, que vai trazer o olhar do mundo para o que acontece aqui dentro, faça com que essas leis, que já são muito boas, sejam cumpridas, e não que seja necessário para tudo que a gente entre na justiça. Tudo o que acontece é resultado de ações impetradas na justiça - isso revela um baixíssimo grau de civilização.

Andréa – Há pouco tempo nós conversamos aqui com uma deficiente física que nos relatou justamente a dificuldade de acesso aos meios de transporte. Ela citou o metrô como uma dificuldade, contando que ficou presa na cadeira de rodas e foi ajudada pelos seguranças do metrô. Os ônibus também, eles não estão preparados para transportar as pessoas com dificuldade de locomoção.

Andrei – De jeito nenhum e esse é o ponto principal na questão da acessibilidade, porque se a gente resolve a acessibilidade no transporte público, as outras questões serão automaticamente resolvidas porque as pessoas com deficiência vão poder chegar na escola, no trabalho, no lazer. E quando ela chega aos lugares, quer dizer, o problema está colocado e tem que ser resolvido. A máfia do transporte coletivo se beneficia porque a ação dela interessa a todo mundo que não quer, vamos dizer assim, promover a acessibilidade. O poder dela vem muito daí. O jornalista Elio Gaspari, num artigo recente, ele disse: “As empresas de ônibus do Rio de Janeiro mandam mais que o Arcebispo e arrecadam centenas de milhões de reais em dinheiro vivo (aquela espécie que anda em malas). A onipotência dos concessionários de ônibus transformou o sistema de transportes públicos da cidade numa bandalha voraz, anacrônica e predatória”. Ou seja, agora mesmo tem um movimento na Câmara dos Vereadores, liderado pelo vereador Jorge Mauro, que quer prorrogar por pelo menos 10 anos as concessões atuais das 420 linhas de ônibus da cidade, sem nenhuma modificação. Quer dizer, o grupo do bem da Câmara dos Vereadores, que não completa os dedos das mãos de qualquer pessoa, luta contra isso e quer que seja prorrogado por até 18 meses para que a questão seja resolvida em caráter definitivo e justo pelo próximo prefeito.

Andréa – Com relação às novas construções, há uma concepção de que há mudanças nesse sentido, ou seja, a incorporação dos padrões de acessibilidade até para reduzir os custos extras com obras pra fazer essa adaptação?

Andrei – Exatamente, assim como eu falei que esses são exemplos do baixíssimo grau de civilização, nós temos um exemplo de altíssimo grau de civilização que é dado pelo Sinduscon-RJ. Eu, representando o IBDD, participei de um grupo que desenvolveu um guia de verificação em acessibilidade nas construções, lá no Sinduscon. O que é esse guia? Esse guia vai ser distribuído para as construtoras do Rio de Janeiro e ele vai apontar os parâmetros de acessibilidade desde o projeto. Então, quando uma construtora contrata um projeto de arquitetura, já no projeto deverão constar os parâmetros de acessibilidade. Ou seja, quando você incorpora esses parâmetros na hora de projetar, na hora de criar, eles não representam nenhum custo adicional. E isso vai atender não só às pessoas com deficiência. É bom que se entenda, Andréa, que nós somos os chatos que reclamam de toda essa questão, mas na verdade essa questão da acessibilidade beneficia toda a sociedade, as pessoas idosas, as mulheres grávidas, as pessoas que se vêem com problema de locomoção temporária e até mesmo a um atleta que não tem problema nenhum, mas que vê reduzida a possibilidade de risco, de se acidentar. Então, você passa a viver num mundo em que realmente vale viver. Então, o exemplo do Sinduscon deveria ser seguido pelas empresas de ônibus, pelo poder concedente, que pode determinar às concessionárias de ônibus que renovem suas frotas apenas com veículos acessíveis, e por aí vai, né, Andréa.

Andréa – O senhor sabe se tem um percentual da frota de ônibus circulando no Rio?

Andrei – Andréa, é vergonhoso porque o Rio tem uma frota de 10.000 ônibus e apenas 48 adaptados. Isso é resultado de um acordo entre as concessionárias e a prefeitura e não de uma lei porque o Rio de Janeiro é uma cidade sem lei nessa questão. Então isso é impressionante, quer dizer, é outra coisa. Lá no IBDD nós também estamos movendo ações há vários anos contra essa questão - são 48 ações, uma para cada empresa. Então não é possível que a coisa seja assim. Embora a atuação da Justiça e do Ministério Público seja louvável, não é possível que tudo seja conseguido apenas por intermédio da Justiça, né? Então o poder executivo, o poder público, tem que abrir os olhos para essas questões e ver que isso é uma questão de cidadania, e não apenas de um segmento.

Andréa – No caso dos trens, também há dificuldade?

Andrei – Também. Você veja só as estações, como é que elas são. A gente lembra de uma estação, agora é Supervia, né? E você vê que tem aquela escadaria enorme que leva para uma passarela, outra escadaria para descer. Como é que uma pessoa que usa cadeira de rodas ou muletas, ou mesmo os cegos, enfim, uma série de pessoas, ou os idosos vão passar por esse obstáculo para chegar e pegar o trem? Não existe. As estações do metrô também, por conta de ações também na Justiça hoje eles têm só duas estações, a da Siqueira Campos e a Cantagalo, e as outras são todas uma tragédia. Então não é possível, as pessoas tem que começar a conceber o mundo de outra maneira, de uma maneira acessível, incorporando o chamado desenho universal.

Andréa – Como é essa questão do acesso, por exemplo, do deficiente visual que anda com cão-guia? Em São Paulo teve uma empresária que, se não me engano, teve uma liminar garantindo o direito dela de entrar no metrô com o cachorro. Aqui no Rio, como é que é tratada essa questão?

Andrei – Olha, você falou, é sempre uma liminar que está diante de qualquer questão. O cão-guia é como uma cadeira de rodas, é como a bengala. Talvez mais seguro até do que a bengala. Então ele tem que ser entendido como isso, como um equipamento, uma extensão da pessoa com deficiência. Aqui no Rio de Janeiro existem restrições, mas elas também são sempre resolvidas judicialmente, não existe um entendimento da sociedade correto em relação a essas questões, a essa questão, como a todas as outras.

Andréa – Então a pessoa que vai entrar com o cão-guia, ela tem que estar com a.decisão liminar em mãos para não ser impedida de entrar, é isso?

Andrei – Ela fica sujeita a isso.

Andréa – Já existe uma liminar garantindo o acesso de todas as pessoas com deficiência com o cão-guia.

Andrei – Pois é, a superintendente do IBDD, Teresa Costa d´Amaral, tem até uma idéia que os advogados de lá consideram curiosa, porque ela diz que as pessoas com deficiência no Brasil deveriam impetrar um habeas corpus preventivo, para chegar com esse documento diante de todas as situações adversas e, vamos dizer assim, exigir o direito na hora.

Andréa – Andrei, em relação às escolas, elas estão preparadas hoje para esse estudante com dificuldade de locomoção, com deficiência visual? Como é que as escolas estão preparadas? Elas se adequaram à lei?

Andrei – Não. Voltando à questão do transporte, em primeiro lugar elas não têm, as crianças com deficiência não têm como chegar às escolas. Uma outra ação, mais uma vez na Justiça, impetrada pelo IBDD garantiu o direito de um rapaz de 21 anos, tetraplégico, que passou no vestibular da UFRJ para Ciência da Computação e não tinha como freqüentar as aulas porque ele mora em Campo Grande e é de classe média baixa. E foi preciso uma ação na Justiça para garantir esse transporte. A prefeitura de início não obedeceu à decisão judicial, que fixava uma multa de 200 reais por dia, porque ela deveria providenciar o transporte, em cima do patrimônio do prefeito. O IBDD recorreu e o desembargador determinou uma multa de 10 mil reais por dia. Nesse momento a prefeitura, por intermédio da secretária de Defesa da Pessoa com Deficiência Leda de Azevedo, propôs ao rapaz, Bruno, transporte somente às terças-feiras. Um absurdo. Como é que o rapaz vai freqüentar as aulas só às terças-feiras? Mas enfim, por conta dos 10 mil reais diários, eles providenciaram um táxi e agora ele está indo para as aulas de táxi porque a prefeitura foi obrigada pela Justiça. Isso não resolve a questão da acessibilidade. E depois, ele chega lá e - a gente está falando aí de um prédio público federal, mas nas escolas municipais ou nas escolas estaduais a situação é a mesma -, mesmo que a pessoa com deficiência consiga chegar, por conta de ações na Justiça, porque por meio do transporte coletivo não vai conseguir, ela não encontra os prédios arquitetonicamente resolvidos na questão da acessibilidade. Ela não encontra mobiliário adequado ou equipamentos necessários à sua deficiência. Se ela é surda, ela não encontra um intérprete de Libras. Se ela é cega, ela não encontra um Dosvox ou um sistema qualquer, enfim. E são, na verdade, providências de baixíssimo custo ou de nenhum custo. O Dosvox é um software desenvolvido pela UFRJ e é gratuito. E enfim, não existe preparo dos professores no atendimento das pessoas com deficiência, das diferentes deficiências. Então, se uma pessoa com deficiência chega à escola, consegue chegar à escola, geralmente ela é colocada no canto, ou seja, ela é tolerada, mas não é cobrada dela a mesma coisa que é cobrada dos outros alunos porque a estrutura vê aquela pessoa como coitadinha, o que ela não é.

Andréa – Andrei Bastos, muitíssimo obrigada pela entrevista, um bom dia para você.

Andrei – Um bom dia para você, Andréa, e um bom dia para os ouvintes da CBN. Muito obrigado pela oportunidade.

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