5.12.08

Equador é exemplo, não inimigo

Diário da Manhã, 05/12/2008:

EQUADOR É EXEMPLO, NÃO INIMIGO

Milton Coelho da Graça

Fato 1 – O BNDES cumpre sua função quando financia a exportação de serviços, inclusive obras de engenharia. Mas obviamente não é correto que o banco determine no contrato de financiamento qual empresa brasileira deva ser encarregada da obra. Se isso ocorreu, como afirma a auditoria internacional nomeada pelo governo equatoriano, é bem provável que tenha havido jabá, tanto lá como cá.*

Fato 2 – Nem a Comissão de Auditoria nem o governo do Equador demonstraram até agora qualquer animosidade contra o Brasil ou nossas empresas de construção em geral. A Andrade Pinto está construindo, sem problemas, o novo aeroporto internacional de Quito, e uma delegação da Camargo Correia já está no Equador negociando a contratação de seus serviços para consertar a lambança feita pela Odebrecht na construção de uma hidrelétrica.

Fato 3 – A Comissão de Auditoria da Dívida do Equador foi criada pelo presidente Rafael Correa no ano passado, com 16 técnicos equatorianos e seis convidados de outros países, inclusive Maria Lúcia Fattorelli, respeitadíssima auditora da nossa Receita Federal, “emprestada” oficialmente pelo governo brasileiro. E a Comissão contou também com a consultoria jurídica de uma respeitada firma americana de advocacia, especialista em Direito Internacional.

Fato 4 - A Odebrecht reconheceu sua responsabilidade pelos problemas ocorridos na usina em carta ao presidente Correa, que enviou uma cópia ao presidente Lula.

O Equador está lutando contra os efeitos da corrupção em governos anteriores, nas negociações de contratos de dívida externa. Em vez de reclamar, o BNDES já deveria ter montado uma comissão de inquérito para verificar se houve mensalão nesse contrato. E o Congresso já deveria ter convocado Maria Lúcia Fatorelli para explicar o que foi apurado pela Comissão de Auditoria do Equador e organizar um trabalho semelhante aqui.

* Quem quiser saber mais sobre este assunto, procure ler o artigo de Cláudio Weber Abramo, na edição de 2 de novembro passado da Folha de São Paulo. Abramo é diretor-executivo da Transparência Brasil, uma ONG dedicada a combater a corrupção no Brasil, em cujo site esse artigo também pode ser acessado.

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A MAROLINHA AMEAÇA SE TORNAR UM TSUNAMI

Mais da metade dos 27 setores industriais (15, inclusive petróleo e álcool, máquinas e equipamentos, produtos químicos, automóveis), pesquisados regularmente pelo IBGE, tiveram queda na produção de outubro passado em relação a setembro. O conjunto da indústria mostrou uma queda de 1,8%.

Gente, esse índice é muito grande. Se representar o ritmo médio até setembro do próximo ano, poderia ser uma calamidade – mais de 20% de queda em um ano! A ONU também está pessimista e sua previsão, caso as condições continuarem a piorar e, em seis meses, os pacotes lançados por vários governos no mundo não estimularem a produção e o consumo é que o PIB brasileiro tenha expansão de apenas 0,5% em 2009 e a economia global recue 0,4%.

O governo continua a apoiar a maior taxa real de juros do mundo, porque o Conselho Monetário Nacional, sob a batuta do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, continua mais preocupado com o perigo de inflação do que com a crise na economia real.

Presidente Lula, acima de tudo, precisamos de credibilidade. Convoque os verdadeiros talentos, que são muitos nas universidades e até, volta e meia, são chamadas a palácio como assessores, para lhe ajudar a compor um “pacote Lula”, em que o empresariado e a população confiem.

No mundo inteiro os juros baixaram e a pedra angular da estratégia anticrise é a restauração da capacidade produtiva e do crédito, com as medidas e nos níveis que o governo, reforçado por esses talentos, considere indispensáveis. Exija máxima eficiência administrativa, transforme o PAC em instrumento real de modernização da infra-estrutura, ordene apoio total ao desenvolvimento científico e tecnológico - sem conversa fiada. Corte despesas adiáveis, exija do aparelho de Estado – civil e militar – a mais firme colaboração com o “pacote Lula”

E se prepare, Presidente, para o maior problema político previsível no horizonte: milhões de famílias brasileiras foram induzidas a gastar antecipadamente os ganhos de três a cinco anos futuros, os níveis de dívidas impagáveis e de inadimplência estão em alta; já consigo anteouvir os brados de “não agüentamos mais, queremos moratória.”

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PODE SER FALSO, MAS LIVRO É SEMPRE NOTÍCIA

Taís é uma jornalista que, em 2005, já havia publicado “Operação Araguaia”, em parceria com Eumano Cunha. Agora lançou “Sem vestígios: revelações de um agente secreto da ditadura militar brasileira” (239 páginas, Geração Editorial). O livro supostamente se apóia no diário desse agente, identificado como Carlos Alberto da Costa, o “Carioca”. Horrorizado pelo bárbaro assassinato do dirigente comunista David Capistrano da Costa, descrito com detalhes no livro, “Carioca” teria decidido escrever daí em diante um diário sobre o que via e ouvia nos porões da ditadura, entregando-o à sua mulher, com instruções para conseguir publicá~lo depois que ele morresse. E a mulher assim fez, depois que “Carioca” também foi assassinado, a machadadas.

Embora o livro, se correto, seja um importante documento nesta época em que se discute se a anistia também incluiu crimes bárbaros cometidos por agentes do Estado – inclusive contra militantes de organizações que sequer pegaram armas contra a ditadura, como foi o caso do PCB – o trecho do livro que mais está sendo discutido na área política é a suposta revelação de que o ex-deputado José Dirceu foi agente duplo e teria sido responsável pelo desbaratamento do Movimento de Libertação Popular.

O livro foi anunciado numa resenha escrita pela excelente e confiável jornalista Maria Inês Nassif (jornal VALOR), no dia 27 de novembro. Aparentemente nenhum outro jornal se interessou sobre o assunto, nem qualquer político o comentou. Algum de vocês pode me explicar por quê?

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“A anistia é válida em caso de confronto político, mas não quando há crime contra um cidadão detido pelo Estado.”

(José Ferreira da Silva, conhecido como Frei Chico, irmão do presidente Lula, em depoimento sobre o assassinato do operário Manoel Fiel Filho, em17 de janeiro de 1976, em dependências do 2º Exército. Para o documentário Perdão, Mr. Fiel, do jornalista Jorge Oliveira, Frei Chico relatou as prisões de metalúrgicos e sindicalistas do ABC durante a onda de repressão aos militantes do antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB), em 1975.

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VAMOS VER SE EXISTEM MESMO JUÍZES NO BRASIL

A história é velha e conhecida, mas merece ser lembrada no momento em que o juiz Fausto de Sanctis condena o banqueiro Daniel Dantas a dez anos de prisão por corrupção. O imperador da Prússia mandou derrubar a casa de um moleiro que prejudicava a vista do jardim do palácio. O moleiro recorreu à Justiça, que lhe deu ganho de causa e ordenou a reconstrução da casa. Ao receber notícia da derrota, o imperador teve grandeza de dizer a frase, eternizada como símbolo da supremacia da Justiça sobre o poder: “Ainda há juízes em Berlim.”

Também pergunto: “Há juízes no Brasil?” Estamos falando agora de outra batalha Justiça x Poder, mas sobre outro tipo de poder, o do dinheiro, que pode intervir na Justiça de maneira mais sutil e tão eficiente como o poder político, como se provou recentemente no caso dos desembargadores subornados por banqueiros do jogo-do-bicho do Rio de Janeiro.

Leiam o que já foi dito por um Subprocurador Geral da República, Wagner Gonçalves:

“Enquanto a polícia está prendendo e algemando ladrões, homicidas, estupradores e todos aqueles que praticam crimes contra o patrimônio (de particulares) (…), “justa é a ação da polícia, do MP e do Juiz”. Entretanto, “Quando são presas pessoas que praticam crimes de colarinho branco, a situação passa a ser outra. Entra-se com recursos e, principalmente, com seguidos habeas corpus, muitas vezes suprimindo instâncias, que acabam por modificar a decisão do juiz.” “(…) Estamos, no que se refere aos juízes de primeira instância, numa situação de desequilíbrio: de um lado, praticamente nunca há, no entender das Cortes Superiores, fundamentos suficientes para as prisões cautelares, quando se trata de crimes de colarinho branco (…); (…) não se pode executar a sentença, mesmo que julgada a apelação, porque são interpostos os recursos especiais e o extraordinário, com inúmeros incidentes, agravos, etc., além de seguidos habeas corpus, todos para evitar o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Só há hoje trânsito em julgado para os pobres, que se perdem no “meio do caminho”, porque não podem pagar bons advogados.”

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NESTA CRISE. O QUE ESTÁ VENDENDO MAIS?

Sugeri ao editor fazer uma pesquisa semelhante em Goiânia: o jornalista londrino Tim Harford deu uma olhadinha no comércio para saber se alguma coisa está vendendo mais entre seus compatriotas, nestes tempos em que todo mundo anda com o dinheiro curto.

Pois acreditem, aumentaram as vendas de afrodisíacos e – talvez em conseqüência disso – as mulheres parecem mais interessadas em lingerie e roupas para gravidez. O sizudo jornal Financial Times detectou uma melhora no faturamento dos fisioterapeutas, certamente por conta do estresse no mundo financeiro. E tem gente apostando que agentes de viagens estão otimistas. Que melhor coisa – é o raciocínio deles - pode-se fazer em férias coletivas ou desempregado? Esses ingleses são muito engraçados…

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BRASILEIRO MAL EM RENDA E “TRABALHO DECENTE”

“Menos de 40% da renda nacional são apropriados hoje pelos trabalhadores. No final da década de 1950, aproximava-se de 60%. Em contrapartida, os detentores de patrimônio assistem à expansão contínua de seus rendimentos”.

A comparação foi feita pelo presidente do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Márcio Pochman. Como também a divulgação de um estudo feito por três agências da ONU, apontando falta de “trabalho decente” no Brasil. Entre outras coisas, o conceito de “trabalho decente” exige “ausência do trabalho infantil ou forçado; nível adequado de remuneração, formalidade e acesso à proteção social; oportunidades iguais de acesso ao emprego e às ocupações de mais qualidade e mais bem remuneradas”.

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ISSO TERÁ SIDO MESMO UM ELOGIO CARINHOSO?

Há dez anos, o britânico Phil Woods, candidato do Partido Trabalhista, perdeu uma eleição suplementar para o Parlamento. E, reunido a companheiros de partido, fez um carinhoso, embora ambíguo, ao organizador de sua campanha, Peter Mandelson, hoje ministro do governo Gordon Brown:

“É verdade, não há a menor dúvida de que Peter Mandelson é um grande filho-da-puta. Mas, companheiros, Peter é o NOSSO filho-da-puta.”

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