15.1.09

Reparação, um remédio tardio

Jornal do Brasil, 15/01/2009:

SAÚDE
Reparação, um remédio tardio
Vítimas de hanseníase que foram obrigadas a se isolar em hospitais-colônias recebem indenização. Mas, sem famílias, muitos continuam internados

Luciana Abade
BRASÍLIA

Vítimas da desinformação e do preconceito, 75 pessoas atingidas pela hanseníase que foram obrigadas pelo Estado, ate 1986, a se isolarem da sociedade em hospitais-colônias, receberam na última segunda-feira da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) direito a uma pensão vitalícia de R$ 700. Com elas, sobe para mil o número de pessoas indenizadas. Até o final da semana, outras 48 devem conquistar o mesmo direito. A Secretaria esperava receber entre três e quatro mil pedidos de indenização mas, até agora, dez mil processos estão tramitando. O Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Mor han) estima que sete mil pessoas devem conquistar o direito a pensão. Integrantes do grupo estão hoje em Genebra, na Suíça, na Conferencia das Nações Unidas (ONU), para debater o as unto. O Brasil e o Japão são os únicos países no mundo a indenizamm os pacientes de hanseníase vítimas do isolamento compulsório.

Instituído por lei pelo presidente Getúlio Vargas, em 1930, o isolamento compulsório dos pacientes de hanseníase vigorou até 1976, quando a Portaria 165 do Ministério da Saúde revogou o direito da policia sanitária de levar à força os doentes para os hospitais-colônias. Apesar da revogição, até 1986 alguns doentes ainda foram obrigadas a se internar. Por isso, a Medida Provisória 373/2007, regulamentada pelo Decreto-Lei 6168/2007, esticou o beneficio da pensão. Mas as pessoas hospitalizadas nessas condições entre 1976 e 1986 estão enfrentando dificuldades para serem indenizadas.

- Esses são os casos mais difíceis porque é preciso diferenciar as internações obrigatórias das sociais explica a assessora da comissão da SEDH que avalia as pensões, Sueli Dias. - Muitos deles, na verdade, foram encaminhados para a internação porque eram muito pobres e não tinham condições de fazer o tratamento fora de 15, nem de enfrentar o preconceito.

Pressa

Segundo Sueli, para agilizar os processos, foi instituída, em novembro do ano passado, uma força-tarefa interministerial com o objetivo de analisar todos os processos até o 6nal de 2010.

A realidade das vítimas da hanseníase internadas compulsoriamente é ainda desconhecida por grande parte da população brasileira. Exiladas à força, elas eram separadas de suas famílias. As crianças nascidas nos hospitais-colônias eram tiradas de seus pais e levadas para educandários, quando a família dos pacientes não podiam criã-las. Mesmo com a abertura das colônias, muitos pacientes permaneceram porque não tinham para quem voltar ou condições econômicas. Outros não estavam preparados para enfrentar o preconceito. Muitos dos que saíram, acabaram voltando.

- Quando os moradores da colônia conquistaram o direito de votar, eles tinham que entregar o título de eleitor um dia antes para ser esterilizado - conta Artur Custódio, coordenador nacional do Morhan. - As urnas eram queimadas depois. Essa reregra permaneceu na lei eleitoral ate 1990.

Para o secretário interino da SEDH, Rogério Sottili, enfrentar o problema das vítimas do isolamento compulsório é uma questão de direitos humanos que será a prioridade da Secretaria nos próximos anos. A reparação da injustiça por meio das indenizações e, segundo ele, apenas o primeiro passo. Enfrentar o problema da discriminação será o próximo. Segundo o secretário, o Ministério da Educação já está trabalhando como incluir essa questão no currículo escolar. A idéia é disseminar que a doença tem cura e que as pessoas podem interagir sem preocupação com os doentes em tratamento.

Segundo o coordenador do Morhan, a tramitação mais ágil dos processos foi necessária porque a maioria dos poníveis beneficiários tem a idade avançada e podem morrer antes de receber o indenização. Levantamento feito no ano passado mostra que cerca de 250 ja haviam falecido entre 2005, ano em que decidiram lutar pelas indenizações, e 2008.

A SEDH informa que uma equipe ministerial com mais de 30 pessoas estã trabalhando diretamente no acompanhamento dos processos para que todos sejam analisados ate o final do próximo ano.

MEMÓRIA JB - BACURAU: SÍMBOLO DE LUTA

Aos cinco anos de idade, Francisco Augusto Vieira Nunes começou a apresentar os primeiros sintomas da hanseníase. Foi uma tragédia para a família moradora na pequena Manicoré (AM), que começou a ser discriminada pelos habitantes da cidade. Foi para Rondônia iniciar um longo tratamento e pouco tempo depois de completar 22 anos, internou-se voluntariamente na Colônia Souza Araújo, em Rio Branco (AC). Lá, alfabetizou crianças, jovens e adultos, passou a trabalhar na roça, tornou-se prefeito da colônia e, por volta da década de 70, já conhecido pelo apelido de “Bacurau”, deu início ao movimento de reintegração dos pacientes à sociedade. O Morhan foi oficialmente criado em 1981, em Bauru (SP), cidade onde fazia seu tratamento. De volta ao Acre, fundou o Morhan em Rio Branco e passou a viajar para fundar o movimento em outros estados e dar palestras sobre a luta contra o preconceito.

O trabalho com portadores de hanseníase rendeu a Bacurau o Prêmio Internacional de Associação Amigos de Raoul Follereau de Savana, na Itália, em 1990, e honrarias em várias partes do mundo.

Um passado de dor, um presente de superação

Segregado. Mais de 33 anos depois de revogada a lei que obrigava o isolamento compulsório das pessoas atingidas pela hanseníase, essa é melhor definição que Antônio Pereira Rosa, 70 anos, tem para si. Órfão de mãe que morreu vítima da hanseníase, Pereira foi levado para um hospital-colônia de Minas Gerais quando tinha sete anos, depois de ficar 15 dias internado por conta de uma surra que levou dos tios com quem morara. Foi nesse período em que ele contraiu a doença. Com 21 anos, ele foi transferido para o Instituto Estadual de Dermatologia Sanitária em Jacarepaguá-RJ. Foi lá que se casou com com Doralice Therezinha e teve dois filhos. Como de praxe, o filho mais velho foi levado para um educandário com apenas dois dias de vida. O mais novo foi criado pela sogra.

–Víamos os nossos filhos quatro vezes por ano – lembra Pereira. – Eles eram trazidos pela direção do educandário. Mas não podíamos nos tocar. Ficávamos separados por uma parede de vidro. O meu filho que foi criado no educandário teve muitos problemas porque lá as crianças eram destratadas, abusadas. Muitas partiram para a criminalidade. Durante toda a vida eu fui cobaia. De todo o tipo de tratamento que estavam tentando desenvolver.

Quando a lei permitiu, Pereira tentou viver fora da colônia com a mulher, mas ela ficou muito doente. Além da hanseníase, contraiu tuberculose e acabou morrendo. Sem companhia e mais uma vez doente, ele voltou para o hospital, onde permanece até hoje.

Pereira está recebendo a pensão e lembra da visita a Brasília, quando esteve com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em solenidade no Palácio do Planalto, como o dia mais feliz da sua vida:

– Foi o momento mais importante das nossas vidas quando o presidente nos recebeu e decretou as pensões. O processo é um pouco moroso e tem gente morrendo sem receber. Não de hanseníase, mas de outras doenças.

A queixa de Pereira agora é com a falta de condições dos hospitais-colônias do Rio de Janeiro onde, segundo ele, morador há quase 50 anos, falta medicamentos, médicos e infra-estrutura para os pacientes.

Drama comum

Quem compartilha das críticas de Pereira é a amiga Maria Rosa Zequeiros, 62 anos. Ela foi levada do Mato-Grosso ao Rio de Janeiro aos cinco anos de idade para tratar a doença. O pai e o irmão também estavam doentes. Como o Instituto Estadual de Dermatologia Sanitária não aceitava crianças, ela ficou separada dos parentes, mas conseguiu a transferência quando completou oito anos. Maria Rosa também casou no hospital e teve dois filhos que foram criados pela sogra. O casamento, no entanto, durou apenas cinco anos. O marido fugiu do hospital e foi se encontrar com a família em São Paulo. Com isso, ela só foi reencontrar os filhos há dois anos porque um deles a procurou.

– A família dele e ele não queria que eu tivesse contato com os meus filhos – conta Maria. – Era uma vergonha ser filho de mãe leprosa.

Maria Rosa, no entanto, resolveu enfrentar o preconceito. Depois da abertura dos hospitais, quando estava com 40 anos, foi estudar pela primeira vez e concluiu o ensino médio. Com tanto tempo de casa, acabou virando funcionária e trabalha hoje no laboratório do hospital. Atualmente, visita os filhos regularmente e continua morando no hospital com o irmão. Ela espera a indenização do governo que, em sua opinião, está demorando e é “pouco para o que sofremos”.

Segundo Pereira, as vítimas da hanseníase são, também, segregados religiosos:

– Uma passagem da bíblia diz que Jesus curou vários leprosos e apenas um voltou para agradecer. Passados séculos, nós estamos aqui pagando o pato.

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