26.2.09

Os três tempos de jogo

Site da Fundação Astrojildo Pereira, 26/02/2009, e jornal Terceiro Tempo, 16 a 31/03/2009 - edição 403:

Os três tempos de jogo

ANDREI BASTOS

Apesar do enorme progresso que alcançamos em todas as áreas do conhecimento humano, ainda vivemos equivocados a respeito de nós mesmos, de nossas possibilidades e de nossos direitos. A ideia de que o jogo da vida só é jogado no segundo dos três tempos de que ele se compõe – infância, maturidade e velhice – é o maior obstáculo para a completa efetivação desse progresso.

O equívoco começa no entendimento de que a capacidade de produção econômica do indivíduo é a medida da sua inclusão social. Tal compreensão, resultado de todo o processo histórico anterior aos nossos dias, que sempre afirmou as relações de produção como síntese da existência sobre o planeta, não resiste aos argumentos apresentados hoje pelos movimentos de direitos civis e de direitos humanos.

Assim como as lutas das mulheres e dos negros pelos seus direitos e emancipação os tiraram da condição de meros espectadores ou coadjuvantes da História, os movimentos pelos direitos e inclusão social de crianças, adolescentes, idosos, pessoas com deficiência e muitos outros, de segmentos minoritários, trouxeram todos os excluídos para o enredo principal, como protagonistas nos três atos que totalizam a vida humana.

Muitos já compreendem claramente o mais evidente resultado desse processo de inclusão ampla, geral e irrestrita, que é a afirmação da indivisibilidade dos direitos humanos, que devem existir em conjunto e se inter-relacionando. Dessa maneira, e levando-se em conta que o ser humano é sujeito de direitos durante toda a sua existência, porque não apreendemos e praticamos a vida na sua integralidade?

Não o fazemos por puro preconceito! Um preconceito formado no obscurantismo de um passado em que não existia a expectativa de vida saudável que temos hoje, em que foi urdido o critério de que valemos pelo que temos e não pelo que somos, em que a beleza e o amor perderam o mistério da subjetividade e ganharam os contornos frios dos bens de consumo. Perdemos muito com isso e continuaremos a perder se não abrirmos os olhos para a extraordinária riqueza da diversidade humana.

Mas, pior do que apenas perder o que de melhor a vida pode oferecer, é não conseguirmos superar a crise global que vivemos porque estamos obliterados por ideias superadas e que têm aplicações restritas, insuficientes diante da amplitude dos problemas. Este é o melhor momento para procurarmos enxergar a realidade com o olhar inovador que a apreensão da vida em sua totalidade possibilita.

Este também é o melhor momento para afirmarmos a capacidade realizadora dos jogadores do terceiro tempo do jogo da vida. E o primeiro lance é a demonstração de que a experiência, associada a um ponto de vista distanciado, pode fazer com que a bola balance a rede das adversidades, marcando gols de placa.

É sempre bom lembrar que Cervantes terminou Dom Quixote aos 68 anos, Freud escreveu e descobriu coisas da mente até quase 83, quando morreu, e Rui Barbosa escreveu aos 72 anos sua “Oração aos Moços”.

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