25.6.09

O que não tem remédio

O Estado de S. Paulo, 24/06/2009:

O que não tem remédio

Dora Kramer

O senador José Sarney pode ser um político de métodos ultrapassados, uma personalidade datada, incapaz de fazer frente às demandas da atualidade. Mas mantém intacta a capacidade de bem descrever uma situação.

“Julguei que fosse eleito presidente para presidir politicamente a Casa e não para ficar submetido a cuidar da despensa da Casa ou para limpar as lixeiras da Casa”.

Numa frase, dita em meio ao improviso para tentar responder às cobranças que lhe fazia da tribuna o senador Arthur Virgílio nesta segunda-feira, Sarney expôs o tamanho exato do equívoco que foi sua eleição à presidência do Senado e não deixou a menor dúvida.

É o homem errado, eleito de maneira extemporânea para um posto inadequado em relação às suas expectativas e, principalmente, frente às suas possibilidades.

“Presidir politicamente a Casa” na concepção de José Sarney significa postar-se sobranceiro na cadeira de presidente e, de lá, receber todas as homenagens, exercitar os rituais, desfrutar do lado benfazejo do poder ao modo das majestades.

“Não ficar submetido a cuidar da despensa da Casa ou para limpar as lixeiras da Casa” quer dizer delegar o funcionamento da instituição a prepostos de confiança sem se importar com os métodos utilizados para isso, desde que assegurem a satisfação necessária para manter em paz a corporação.

Mal comparando, as atribuições políticas seriam missões da Casa Grande e as tarefas administrativas, coisa da Senzala.

Foi o próprio senador José Sarney quem assim explicitou sua visão do posto que ocupa pela terceira vez.

Para ele, o zelo aos meios e modos aplicados à administração do Senado é pormenor, algo que não lhe merece a atenção.

Deixa isso claro quando traduz por “lixeiras” e “despensas” assuntos como pagamentos indevidos, contratações irregulares, nepotismo, fisiologismo, desvio de funções, distribuição de privilégios, inchaço da máquina, abuso de autoridade, negligência funcional e desrespeito à Constituição no tocante à publicidade de atos oficiais.

Já havia dado um mau sinal quando quis ser presidente do Senado sustentando sua postulação numa mentira: a negativa reiterada da candidatura.

O mesmo tipo de atitude que adotou em relação às denúncias. Enquanto pôde, negou tudo: a impropriedade do uso de seguranças do Senado na vigilância de suas propriedades no Maranhão, a contratação de parentes e agregados, o recebimento indevido do auxílio-moradia, a existência de atos secretos.

E, enquanto pode, continua a negar velocidade e firmeza na reação, não obstante isso só faça com que a crise se agrave e dê margem a manobras escusas da banda podre, visando a, mais uma vez, buscar abrigo no velho truque da socialização dos prejuízos entre o maior número possível de senadores, a fim de neutralizar a responsabilidade dos culpados.

Até a semana passada, quando do primeiro e claudicante discurso do presidente do Senado dizendo-se acima de julgamentos, só havia sido possível perceber que Sarney não era um homem à altura da solução requerida pela crise.

À medida que o tempo passa, vai ficando muito claro que Sarney não conseguirá se desincumbir a contento do restante do seu mandato.

Perde apoio entre os senadores, tergiversa, manifesta-se de forma cada vez mais tíbia, trata do problema com sofismas e toda sorte de escapismos, dá seguidas demonstrações de que carece de condições, não para gerir a crise, mas para conduzir o Senado.

O que se cobra dele, Sarney não pode dar: velocidade, firmeza, ruptura com os esquemas das velhas estruturas.

Se pudesse dar essa virada, já teria acenado para o grupo que agora se dispõe a iniciar um processo de recuperação do Senado.

Não acenou nem acenará com rupturas porque só chegou três vezes à presidência do Senado por obra e graça da obsolescência das estruturas.

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