13.2.12

O bruxo de Jacarepaguá

ANDREI BASTOS

Há muitos anos, o mesmo feiticeiro que rezou a farda do general Noriega para lhe salvar a vida, entre muitas outras feitiçarias, foi procurado pelos homens poderosos que não conseguiram matar o general para que sua magia lhes garantisse poder absoluto e infinito.

O feiticeiro, estabelecido em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, que cobrara caro pela proteção ao general, cobrou mais caro ainda pela nova mandinga, mas isso nem coçou nos bolsos dos poderosos, que pagaram o que foi pedido, com fé! Afinal, eles sabiam que tinham feito o impossível para assassinar Noriega e o indigitado escapou com vida, mesmo que prisioneiro.

O pequeno grupo de homens de preto, com os sapatos reluzentes conspurcados pela lama dos porcos e pelo cocô das galinhas do lugar, ficou incrédulo quando o mandingueiro disse que, da mesma forma que a violência foi desnecessária no caso do general, que escapou dos envenenamentos e atentados como uma enguia ensaboada, para obter o que pediam ela também seria dispensada, e totalmente.

Embora tenham se entreolhado com espanto, os homens não tinham porque duvidar e continuaram a escutar com atenção e a anotar as prescrições para o trabalho que, supunham, teriam que arriar em alguma encruzilhada, possivelmente no cruzamento da Avenida Brasil com a Rodovia Presidente Dutra – imaginavam.

O grupo estava tão perturbado e hipnoticamente paralisado com a figura sinistra do feiticeiro e com o cenário apocalíptico do barracão, repleto de totens e objetos estranhos, que não se apercebia do que escrevia.

Feitas as oferendas e as rezas e terminada a consulta, os homens de preto saíram correndo, como se fugissem de uma situação comprometedora e quisessem se livrar de um flagrante policial. Os motoristas aguardavam na rua de terra batida, cheia de línguas negras, já com as portas abertas para seus apressados senhores, que nem lembraram de limpar os sapatos e enlamearam os tapetes dos carros, que ficaram fedendo a cocô.

Como toda boa organização secreta, o grupo tinha reunião marcada para o dia seguinte, para discutir a feitiçaria e definir as tarefas de cada um na realização do despacho.

Não existe nada que um bom banho e uma boa noite de sono não resolvam e, cheirosos, penteados e com sapatos reluzentes novos, os homens de preto chegaram para a reunião rigorosamente na hora marcada.

Já sentados em volta da grande mesa de reuniões na sede de uma das maiores multinacionais no Brasil, os homens abriram suas pastas ou valises e colocaram seus blocos de anotações à frente. O curioso é que estes movimentos foram realizados coreograficamente, por todos ao mesmo tempo. Mais curioso ainda foi que todos exclamaram, juntos, “Não acredito!”.

Entre risinhos de incredulidade e expressões de cisma, as anotações foram dispostas lado a lado e não foi possível conter o espanto diante da quase absoluta similaridade entre elas. Em vez das costumeiras listas de produtos geralmente encontrados em casas de materiais esotéricos ou de umbanda e em criadouros de animais, todas continham uma mesma lista de programas de TV.

Depois de lerem, relerem e conferirem todos os escritos, e de se renderem ao fato de que o bruxo merecia crédito total pelo que realizara antes, os homens poderosos concordaram em definir como estratégia de dominação a grade de programação de TV elaborada como feitiçaria.

Na verdade, entre eles não tinha nenhum idiota e logo perceberam que ali estava talvez a arma de dominação mais eficaz já imaginada, e sem derramamento de sangue, o que, de certa forma, frustrava algumas mentes diabólicas existentes em seu meio.

Mas como o que interessava mesmo era o poder absoluto e infinito, imediatamente adotaram a grade de programação que intercala novelas e telejornais e deixa nas cabecinhas despreparadas da audiência a ideia de que tudo é fantasia. Assim, da mesma forma que um capítulo de novela acaba e seus dramas param de nos envolver, um telejornal termina e o que seria a realidade por ele retratada ganha a mesma natureza da fantasia da novela que o antecede ou da que o sucede, e também suas tragédias param de nos envolver, deixando-nos satisfeitos com o falso poder do controle remoto e entorpecidos pela facilidade de sublimarmos nossas próprias tragédias.

Esse bruxo mandou bem!

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