Rose
No velório da Rose, contei que no dia
anterior à internação ela fez questão de me acompanhar num cafezinho na sala,
ficando longamente de mãos dadas comigo e me olhando fixamente. Eu também disse
que nessa hora ela me passou a certeza de que compreendia o que estava
acontecendo, sem revolta ou aceitação, vivendo o momento com serenidade, e
compartilhei minha certeza com os presentes.
O que agora tenho para contar é que, poucas
horas depois do cafezinho na sala, acorri aos pedidos de ajuda da Marlene, sua
acompanhante, que a sustentava desfalecida. Quando Marlene saiu em busca de
socorro médico, fiquei novamente de mãos dadas com a Rose, já deitada em sua
cama, com os olhos bem abertos fitando um teto muito acima daquele do
apartamento.
Eu acredito na vida após o que chamamos
de morte. E, assim como entendi que durante o cafezinho a Rose olhava para
todos os rostos das suas pessoas queridas através do meu, em despedida, percebi
que da cama ela olhava para todas as suas outras pessoas queridas no lugar para
onde estava indo.
Depois de receber seu olhar desviado
para mim, com uma das mãos comecei a acariciar seus cabelos e seu rosto,
fazendo as mágicas cosquinhas em que nossa família é viciada. Perguntei se
estava bom e, em resposta, ela fez que sim com a cabeça e fechou os olhos para
sentir melhor.
Então, outra vez a Rose me passou uma
certeza: a de que foi assim, através das minhas mãos, que suas outras pessoas
queridas, que vivem além de nós, gentilmente a conduziram pelo último mistério
da existência.
Com saudade,
Andrei
*Rose era a minha tia que “adotou”
a mim e a meus irmãos e morreu no último dia 24 de agosto. Escrevi o texto
acima para nossos parentes e amigos no dia da missa de sétimo dia.
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