21.3.08

A última grande luta

The Boston Globe, 27/02/2008:

A última grande luta

DON AUCOIN

É um dia duro e frio nas ruas rudes desta cidade rude, mas Keith P. Jones sai com sua cadeira de rodas motorizada, abrindo caminho até seu restaurante favorito. É claro, Jones avançava contra o vento.

Foi assim durante toda sua vida, de um modo ou de outro.

Quando se nasce com paralisia cerebral, é preciso lutar constantemente contra as baixas expectativas dos outros. Quando se é negro e em uma cadeira de rodas, é preciso combater a suposição de que você é vítima de violência de gangues. Quando se é inteligente de formas que o mundo não vê, é preciso fazê-lo enxergar.

É mais fácil dizer do que fazer, como Jones, 38 anos, é o primeiro a reconhecer. "Quando eu era garoto, não havia exemplos reais para jovens com deficiências, especialmente jovens afro-americanos com deficiências, nenhum senso de que poderia crescer e me tornar um Barack Obama", ele disse. "Mesmo agora, ainda não há."

Ele está prestes a mudar isso. Jones despontou como um forte ativista pelos direitos dos deficientes, discutindo com legisladores, educadores, executivos e qualquer um que escute que a causa das pessoas com deficiências é a próxima fronteira dos direitos civis. "É a última grande luta", ele disse.

Após anos lutando por mudanças na política educacional, nas regras nos locais de trabalho e na postura pública em relação aos deficientes, Jones está considerando uma campanha ao Senado dos Estados Unidos como forma de trazer mais atenção ao assunto. "Nós estamos perpetuamente criando uma subclasse", ele insiste. "Nós estamos perpetuamente subeducando um grupo de pessoas. Nós não somos vistos como parte da força de trabalho. Nós somos vistos como um fardo."

Apesar de sua intensidade e senso de missão, Jones ri com facilidade e com freqüência, e um alvo favorito é ele mesmo. Um compositor, produtor e artista de hip-hop, ele lançou dois CDs de músicas próprias. "Eles ganharam pau", ele diz ironicamente. "Nem disco de ouro, nem de platina. De pau." Ele e sua esposa, Kerlyne Pacombe Jones, estão esperando um filho para daqui dois meses. Kerlyne é cega. "Eu sou os olhos dela, ela é minhas mãos", ele explicou.

Para alguns, Jones se tornou uma espécie de exemplo para os jovens deficientes que ele carecia em sua juventude. Como consultor especializado em questões de deficiência para comunidades de minorias, ele aproveita toda oportunidade para usar sua própria história para inspirar jovens deficientes e tranqüilizar seus pais, abrindo seus olhos para o que é possível. "Ele é destemido. Ele simplesmente segue em frente", disse Richard Robinson, diretor executivo da Federação das Crianças com Necessidades Especiais, que escolheu Jones para fazer o discurso de abertura de sua conferência no sábado, em Boston. "Ele parece ter uma confiança em si mesmo que é algo digno de ser admirado por todos. O restante de nós bem que gostaria de ser alguns dias assim."

"Para muitos pais, há sempre o temor de como a sociedade aceitará seu filho", acrescentou Robinson. "Keith simplesmente acaba com isso em um minuto."

Mas se Jones transmite uma mensagem animadora, ela não vem adocicada. Ele já passou por muita coisa para permitir isso, e já teve muitos confrontos com "pessoas que insultavam minha capacidade, ou tentavam me colocar em uma caixa".

Filho único de mãe solteira, ele passou seus primeiros anos em Saint Louis. "Minha mãe fez um trabalho incrível", disse Jones, balançando a cabeça. "Eu disse ontem para ela: 'Eu nunca vou poder pagar o que você fez, mesmo se tivesse o dinheiro do Bill Gates."

Seu pai, entretanto, foi uma história diferente. "O relógio de culpa dele tocava a cada seis anos", lembrou Jones. "Era, 'Oh, ele está com 12 anos, vou telefonar para ele. Oh, ele está com 18, vou telefonar para ele'" Em um desses telefonemas, ele disse, seu pai colocou na linha duas outras pessoas: as filhas que teve com outra mulher. Jones não conseguiu deixar de se perguntar se sua deficiência contribuiu para a aparente indiferença de seu pai em relação a ele. "Se pareço um homem amargo, é porque sou", ele admite.

Mas sua mãe sempre esteve lá, firme como uma rocha. Em Saint Louis, ele se tornou um dos primeiros alunos deficientes a ser integrado na escola normal, graças à persistência dela. Por toda a infância dele, a meta constante dela era a de que ele aprendesse as lições difíceis da independência. "Minha mãe pensava: 'Ele não ficará em uma oficina protegida. Ele não ficará pregando botões em caixas'", disse Jones.

Mas mesmo sua mãe não podia protegê-lo de seus colegas de classe, especialmente quando se mudaram para Ithaca, Nova York, quando ele tinha 7 anos. Sendo uma pessoa com uma desordem neurológica que prejudica a coordenação muscular e o movimento do corpo, e sendo um dos poucos estudantes negros, ele era um alvo. "As crianças são cruéis", disse Jones. "Era: 'Por que você é assim? Por que você fala assim? Por que você baba? O que aconteceu com você? ' Tudo o que você possa imaginar era atirado em mim." Inclusive, ele disse, ofensas raciais. Adultos bem-intencionados também escorregavam às vezes, se referindo a ele como "o adorável garotinho aleijado".

Aos 12 anos, quando ele e sua mãe se mudaram para Boston, Jones começou a se virar sozinho. Ele demonstrou excelência em matemática e ciência. Ele desenvolveu um amplo círculo de amigos. Quando ele disse que queria aprender chinês, sua mãe encontrou um curso da língua no Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Ela o matriculou em um curso de arte no Museu de Belas Artes, e até mesmo conseguiu para ele um papel em uma montagem de "O Quebra-Nozes".

Mas mesmo enquanto ele tentava expandir seu mundo, alguns tentavam encolhê-lo, à medida que os preconceitos de raça se somavam aos preconceitos sobre deficiência. Com a violência das gangues crescendo nas ruas de Boston, estranhos olhavam para o jovem negro em uma cadeira de rodas e perguntavam: "Quando você foi baleado?" (Uma pergunta que lhe fazem até hoje.) Ao se aproximar da formatura no colégio West Roxbury, nutrindo a ambição de se tornar um engenheiro aeronáutico, ele obteve notas altas apesar da carga de trabalho que incluía cálculo, trigonometria, geometria e vários outros cursos. Mas certo dia, um professor o chamou de lado e lhe disse que, por causa da má ortografia, Jones teria que ser retido no colégio por mais um ano.

Nem ele e nem sua mãe aceitaram aquilo. Ele foi em 1988 para o Ramapo College, em Nova Jersey, conhecido por ser acessível aos deficientes. Lá ele se tornou cada vez mais politizado e escreveu artigos de opinião para o jornal do campus (argumentando, por exemplo, que o petróleo era o motivo da primeira Guerra do Golfo). Ainda assim, foi apenas em 1997, quando ele começou a trabalhar no Centro para Vida Independente de Boston, que se tornou plenamente ciente de que havia um movimento pelos direitos dos deficientes. Ele se lançou naquilo, reconhecendo imediatamente como sendo um antídoto potencial para o senso de isolamento que muitos deficientes sentiam.

Jones se tornou um consultor que treina pessoal da linha de frente em escolas e organizações sem fins lucrativos sobre os problemas enfrentados pelos deficientes, especialmente no que chama de "populações historicamente má atendida": afro-americanos, latinos, ásio-americanos, imigrantes recentes e idosos. Sua empresa, a SoulTouchin' Experiences, também envolve produção musical e palestras. "Eu transformei tudo o que faço em uma empresa", ele disse. "Coloquei tudo sob o mesmo guarda-chuva."

Também sob o "guarda-chuva" se encontra a luta persistente pelas mudanças políticas que considera necessárias. Por exemplo, Jones defende um financiamento pleno do Capítulo 766, a lei de ensino especial, e por sessões regulares de conscientização da deficiência para professores e administradores escolares, para que possam entender melhor os problemas enfrentados pelos alunos deficientes. "Nós precisamos entender que todas as crianças - independentemente de estarem em um respirador artificial, em uma cadeira de rodas, ou sofrerem de dislexia - todas têm capacidade de aprender", ele disse. Os empregadores também precisam abandonar os preconceitos sobre o que pessoas com deficiências são capazes de fazer, ele acrescentou, uma tarefa que está se tornando mais urgente pelo fato de muitos veteranos da guerra no Iraque estarem voltando para casa com algum tipo de invalidez.

Jones é tanto visível quanto falador, mas ele sabe que isto está longe de representar todos os deficientes. "Para cada pessoa como Keith Jones, há cerca de 20 que você não vê", ele disse. Talvez seja o motivo para ele se recusar a desacelerar, o motivo para estar considerando concorrer ao Senado, apesar de admitir que "não tem ilusões" sobre suas chances. Ele nutre ambições de ser um ator. Ele acabou de finalizar um novo CD. Ele é altamente requisitado como palestrante em escolas e organizações comunitárias. De uma forma ou de outra, Jones está usando sua voz para divulgar uma mensagem que ele acha que as pessoas precisam ouvir.

"É uma declaração de que independentemente da deficiência, eu posso fazer isto", ele disse. "Independentemente de nossas deficiências, nós podemos fazer isto."

Tradução: George El Khouri Andolfato

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* Colaboração: Milton Coelho da Graça

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