5.4.08

Eu não sou cagão

ANDREI BASTOS

Quase 20 anos mais moço do que o cartunista Ziraldo, comemorei meu aniversário de 20 anos numa cela do DOI-Codi do Rio de Janeiro, em setembro de 1971. Minha mãe, com 40 anos então, até levou um bolo no Comando do I Exército para que me fosse entregue. Mãe é mãe, e a minha também nunca foi cagona. Depois de 45 dias sem saber do meu paradeiro, ela foi tomar satisfações no prédio do Ministério do Exército, vizinho ao CACO - Centro Acadêmico Cândido de Oliveira da Faculdade de Direito da UFRJ, onde estudava depois de diplomada como dona de casa.

Diante da impossibilidade de obter qualquer informação a meu respeito e da ameaça de ser presa, bem ao estilo de quando, junto com meu pai, militava no Partido Comunista Brasileiro nos seus 20 anos de idade, por sua vez, subiu numa cadeira e discursou para uma platéia de milicos perplexos, ameaçando-os com uma invasão de estudantes se não voltasse imediatamente para a faculdade, o que os obrigaria a prender todos eles.

Minha estadia nas dependências prisionais militares brasileiras em 1971 foi de aproximadamente três meses, praticamente nada diante dos dez anos ou mais que alguns dos meus amigos e companheiros da época gramaram. E pouco acrescentaria minha experiência anterior com a repressão, aos 17 anos, que também me custou uns poucos meses e, o que foi mais curioso, a proibição de voltar a freqüentar a escola secundária. Segundo eles, e acho que tinham razão, eu era má companhia para meus colegas adolescentes.

Mas, embora eu tenha sido demitido do jornal Correio da Manhã por abandono de emprego, pois faltei a mais de 30 dias de trabalho sem justificativa, já que o DOI-Codi não apresentava nem a conta das refeições fornecidas, e ironicamente quando seu editor chefe era Reynaldo Jardim, hoje beneficiário do Bolsa-Ditadura junto com Ziraldo, acabei conseguindo emprego no jornal O Globo, em 1972, e me integrando ao grupo de "comunistas do Dr. Roberto Marinho".

Além da dificuldade para concluir o curso secundário, o que fiz por meio do Artigo 99, certamente minha passagem pela Barão de Mesquita e pela PE da Vila Militar não foi exatamente um período de férias. Como diz o título deste artigo, eu não sou cagão, mas lá eu conheci o medo que faz o corpo "tremer como vara verde", ao ser algemado, encapuzado e arrastado para destino ignorado, e se "separar da alma", ao ser colocado, cego, como possível alvo de tiros vindos de todos os lados. Mas isso é pouco diante das inúmeras histórias de sofrimento verdadeiro e de prejuízos à vida irreparáveis que os anos de chumbo no Brasil criaram.

Foi por conhecer muitas dessas histórias que sempre tive consciência da exata dimensão da minha "tragédia" e nunca me senti à vontade para exigir qualquer reparação. Fora isso, quem faz opção pela luta, armada ou não, contra qualquer ditadura, só pode dizer que desconhece os riscos e o possível preço, que pode ser recompensa para quem vence, se for deficiente intelectual, para ser politicamente correto.

Essa história de quem perde também querer recompensa é coisa de deficiente moral, ficando pior ainda quando, a rigor, não se trata de perdedores e sim de aproveitadores. É isso que enfraquece, companheirada! A gente sair por aí, cavando uma indenização, uma pensão vitalícia, uma mamata qualquer a qualquer custo... Isso desmoraliza e tira a legitimidade de reparações justas e mais do que devidas.

Ziraldo, além de todas as outras considerações, tenha mais educação. Dizer "Eu quero que morra quem está criticando. É tudo cagão" não passa de uma enorme diarréia mental e, portanto, quem caga o que poderia ser correto, quem é o verdadeiro cagão é você!

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