22.3.08

Projeto de Lei de vereadora "chove no molhado"

Entrevista à Rádio CBN em 22/03/2008:

(Clique aqui e ouça a entrevista)

Transcrição:

CBN Rio. As notícias da nossa cidade, hoje com Aline Andrade.

Aline Andrade – A Câmara Municipal do Rio derrubou nesta semana o veto do prefeito César Maia ao Projeto de Lei de autoria da vereadora Silvia Pontes, do Democratas, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a acessibilidade das pessoas com deficiência e idosos com mobilidade reduzida em banheiros públicos. Para falar sobre esse assunto, nós convidamos o gerente de Comunicação do Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Andrei Bastos. Bom dia, obrigado pela participação.

Andrei Bastos – Bom dia, Aline. Bom dia, ouvintes da rádio CBN. Bom, nós consideramos este Projeto de Lei da vereadora Silvia Pontes uma bobagem. Porque ele é totalmente inócuo, porque nós já temos a Lei 10.098, que é a chamada “Lei da Acessibilidade”, de 2000, e nós temos também o Decreto 5.296, do presidente Lula, que foi assinado em 2004, que regulamenta essa “Lei da Acessibilidade”, trazendo tudo isso e muito mais. Essa acessibilidade nos banheiros públicos é uma coisa que já está prevista em lei há muito tempo, ou seja, a vereadora Silvia Pontes está “chovendo no molhado”. E é preciso dizer que ela preside na Câmara dos Vereadores a CPI do Parapan, que é uma CPI que apura as irregularidades ocorridas durante os Jogos Parapan-Americanos no Rio de Janeiro, e ela faria, na minha opinião, muito melhor se acelerasse os trabalhos dessa CPI para que fosse possível responsabilizar os culpados pelas irregularidades acontecidas.

Aline – Que irregularidades, por exemplo?

Andrei – Por exemplo, na última audiência, não sei bem o nome, dessa CPI, nós assistimos aos depoimentos do gestor dos Jogos, do Co-Rio, e dos bombeiros que prestaram atendimento tanto nos Jogos Pan-Americanos como nos Jogos Parapan-Americanos. E, naquele momento, ficou provado que houve crime de discriminação porque foi dispensado tratamento diferenciado no atendimento médico para os Jogos dos atletas sem deficiência e para os Jogos dos atletas com deficiência, que culminaram com a morte do atleta argentino Carlos Maslup.

Aline – Entendo. Andrei, você citou a “Lei da Acessibilidade” que já existe. Mas será que em algum momento a vereadora não quis, quando propôs e criou esse Projeto de Lei, não quis fazer valer, na verdade, o que já está posto pela própria Constituição, que estabelece direito igualitário a todos, mas que, na prática, a gente sabe que ainda existem muitas falhas?

Andrei – Não, Aline. Infelizmente, não é esse tipo de iniciativa que vai fazer valer o que já está posto. O que faz valer as leis que já existem é a fiscalização, que ela poderia fazer, a denúncia, a exemplo da CPI do Parapan, e o Poder Executivo também, né? Além, evidentemente, do Poder Judiciário. O IBDD entrou com uma Ação Civil Pública no dia 4 de junho do ano passado, justamente pelo descumprimento do decreto 5.296 na acessibilidade dos prédios públicos. E o IBDD já ganhou uma liminar na Justiça Federal com a Ação Civil Pública contra a União, o Estado e o Município.

Aline – As três esferas.

Andrei – As três esferas. Então, o IBDD já ganhou liminarmente, a juíza já determinou uma multa de 10 mil reais por dia por prédio público não adaptado. Durante esse processo, a União e o Estado atenderam às solicitações do processo, da juíza, e tudo mais. Para você ver como é a coisa, o Município não. O Município participou, até faltou a algumas audiências, e não entregou documentação nenhuma. Que documentação era essa? Eram as listas dos prédios públicos acessíveis e não acessíveis e cronogramas de obras para que eles se tornassem acessíveis. Quer dizer, a vereadora está, na minha opinião, querendo “vender” uma imagem de boazinha com os deficientes com esse Projeto de Lei que é inócuo, quando poderia estar cobrando do prefeito o cumprimento do decreto 5.296 nos seus prédios públicos.

Aline – O Estado entregou essa lista, o Município não?

Andrei – O Município não. Inclusive, a juíza determinou que o Município tivesse uma reunião extraordinária com o Ministério Público para tirar essa diferença e apresentar esses documentos e ficar em igualdade de condições com os outros entes federativos.

Aline – Andrei, se vocês têm um conhecimento, aí no IBDD, quais são os principais prédios públicos do Rio que nós temos carência de acessibilidade para as pessoas com deficiência?

Andrei – Aline, a quantidade de prédios públicos é muito grande. É tão grande, vai a milhares, entre 5 e 10 mil prédios. A quantidade é tão grande que nesse processo nós chegamos a um acordo com as partes, os entes federativos, para que fossem priorizadas as áreas que nós consideramos mais importantes. Quais são elas? Saúde, Educação e os prédios de atendimento ao público prioritário, como delegacias de polícia, cartórios, enfim, esses lugares do Detran onde as pessoas vão tirar documentos e por aí vai. Foi estabelecida uma hierarquia, e mesmo com essa hierarquia o Município não apresentou a sua lista. Então é difícil dizer, você tem exemplos que, se você for no Centro da cidade, para onde você se virar vai encontrar um prédio público inacessível. O prédio da própria Justiça Federal, onde nós demos entrada nessa Ação Civil Pública no dia 4 de junho do ano passado, é inacessível. Inclusive a juíza nos prometeu que está lá lutando para que ele seja tornado acessível o mais rápido possível. O nosso advogado, que usa cadeira de rodas, para dar entrada nessa ação teve que ser carregado por uma escadaria.

Aline – Essa liminar, essa conquista, por enquanto, de vocês, que ainda é em caráter liminar, o Município já recorreu, tem essa informação, Andrei?

Andrei – É, agora me fugiu, eu acho que um deles perdeu o prazo, eu acho que foi o Estado. Eles recorreram, mas não existe nenhum agravo. Eu não sou um entendido nessas questões jurídicas, mas por enquanto a liminar está valendo, nenhuma iniciativa, todos eles protestaram, mas nenhuma iniciativa deles foi em frente. Então está valendo o prazo, está valendo a multa, está valendo tudo.

Aline – A minha grande dúvida é a seguinte. Porque a gente sabe da lentidão da Justiça. Pode haver, não é o que a gente quer, mas pode haver uma guerra de liminares. Vocês ganham de um lado, Estado, União e o próprio Município recorrem do outro. Não há um entendimento, o Instituto já tentou conversar com todas essas esferas para haver um acordo fora da Justiça?

Andrei – Fora da Justiça não, Aline. Em primeiro lugar porque nós acreditamos na Justiça e temos o Ministério Público como um parceiro muito importante e muito empenhado na solução dessas questões. Nós chegamos e nós fizemos um acordo lá dentro, na Justiça, com o Ministério Público, com a União, com o Estado, com o Município e com a juíza, que foi esse acordo de estabelecimento das prioridades. Ou seja, o que nós pretendemos é que os três entes federativos promovam acessibilidade nesses prédios de Saúde, Educação e atendimento público prioritário, porque nós entendemos que, se isso for feito, serão exemplos que serão seguidos naturalmente por toda a sociedade. Será muito mais fácil promover a acessibilidade no resto dos prédios públicos, em todos os prédios em geral, quando essas coisas acontecerem, e é muito mais fácil de acontecer se você tem uma quantidade menor de prédios, e que são prédios exemplares.

Aline – Claro. E lembrando Andrei, você me corrija se eu estiver errada, nós temos de 10 a 14 por cento da população com algum tipo de deficiência, né?

Andrei – Pois é, Aline. Até quando você falou em acordo fora da Justiça, eu lembrei agora de uma outra coisa. O Rio de Janeiro vive uma situação terrível em termos de transporte público inacessível. Nós temos uma frota de aproximadamente 10 mil ônibus e apenas 48 ônibus adaptados, o que é uma piada de mau gosto. Isso é resultado justamente de um acordo que foi feito fora da Justiça entre a Prefeitura e as empresas concessionárias de transporte coletivo, que chegaram então a essa conclusão. “Nós vamos colocar um ônibus adaptado por cada empresa”. Ora, se uma mesma empresa detém ou controla várias linhas de ônibus, o que nós, pessoas com deficiências vamos ficar fazendo no ponto de ônibus? Vamos esperar a vida toda por um ônibus, né?

Aline – Há muitas coisas que ainda precisam ser corrigidas nessa área, não é Andrei?

Andrei – É. A começar pelo transporte público. Essa é a primeira coisa que tem que ser resolvida e o Município do Rio de Janeiro tem que acabar com essa vergonha, porque se a pessoa com deficiência tem o transporte público acessível, ela vai chegar na escola. E se ela chegar na escola, ela vai poder cobrar acessibilidade na escola. Ela vai poder chegar no trabalho, ela vai poder ir a todos os lugares. Então as outras coisas virão naturalmente.

Aline – Tá certo. Andrei, muito obrigada pela presença aqui no CBN Rio deste sábado, um bom final de semana para você.

Andrei – Eu que agradeço, Aline, a oportunidade, e espero que a vereadora Silvia Pontes acelere os trabalhos da CPI do Parapan.

Aline – Aguardamos notícias aqui no CNB Rio também. Conversei com Andrei Bastos, gerente de Comunicação do Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência.

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