A Convenção da ONU e o Brasil
Entrevista que dei ao telejornal Repórter Brasil, em 02/05/2008
(Clique aqui e veja a entrevista no site do IBDD)
Transcrição:
Luciana Barreto – Amanhã entra em vigor a Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência. O Brasil está entre os 27 países que assinaram a Convenção, mas a medida não vai valer a partir de amanhã porque depende da ratificação do Congresso Nacional. Pelo Censo de 2006, cerca de 24 milhões de brasileiros são deficientes.
Daniela Boaventura – Maurício trabalha há dois anos como analista de comércio exterior em uma empresa do Rio. Mas por usar cadeira de rodas, desde que sofreu um acidente e perdeu o movimento das pernas, no ano 2000, ele já enfrentou muitas dificuldades para conseguir emprego.
Maurício Roberto Steiger – Um entrevistador perguntou se eu conseguia ficar em pé. Aí ficou uma situação assim, meio “eu não, lógico que não”. Eu não sei, na verdade, se a pessoa já queria me descartar, na entrevista mesmo, ou se ela se assustou mesmo pelo peso que ela acharia que poderia ser um deficiente na empresa.
Daniela – Por lei, toda empresa deve ter de 1 a 5% do quadro formado por deficientes.
Daniela – 64 funcionários portadores de deficiência trabalham aqui. Todos eles foram contratados através de um rigoroso processo de seleção, têm as necessidades atendidas, mas não têm qualquer privilégio. Mesmo assim a empresa ainda não cumpre a cota estabelecida por lei que é de 5% do quadro de funcionários.
Cristiane de Lucas – Quando a gente diz que quer viabilizar a inclusão, a gente não está focando essencialmente a questão da cota não. É claro que a gente gostaria de cumprir a cota, coisa que hoje ainda não acontece, infelizmente, mas a gente tem um programa de médio e longo prazo.
Daniela – No Brasil, o programa adotado pela empresa ainda é exceção. Quem não cumpre a lei é punido, e qualquer pessoa pode denunciar irregularidades.
Mário Neves – Ela deve procurar a delegacia regional do trabalho, ou através do seu plantão de consulta, ou aqui no núcleo de políticas sociais e efetuar a denúncia que a empresa não está cumprindo a cota. Então isso vai gerar que essa empresa seja incluída no programa de fiscalização e vai gerar que ela seja chamada para a ação fiscal.
Luciana – Para falar sobre esse assunto, está aqui conosco em nosso estúdio o diretor de Comunicação do Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Andrei Bastos. Boa noite.
Andrei Bastos – Boa noite, Luciana.
Luciana – Essa ratificação da Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência iria ajudar também a resolver problemas como esse do mercado de trabalho. O que é que falta para ratificar essa convenção?
Andrei – A chamada vontade política, porque no dia 23 de novembro do ano passado, nós tivemos uma reunião especial na Câmara Federal e o deputado Arlindo Chinaglia prometeu que essa ratificação sairia em menos de 20 dias. Priorizaria a questão da ratificação e logo estaria resolvido. Infelizmente isso não aconteceu e o Brasil perdeu a chance de figurar entre os 20 primeiros países que ratificaram a Convenção.
Luciana – Isso foi frustrante, mas como vocês estão se mobilizando agora para resolver esse problema, para pressionar o Congresso?
Andrei – É, amanhã nós vamos fazer manifestações em todo o país para que os deputados e os senadores, que o Congresso Nacional, enfim, ratifique essa Convenção para que o Brasil possa se beneficiar de tudo que essa Convenção proporciona.
Luciana – Qual a expectativa de 24 milhões de brasileiros a partir de amanhã? Depois dessa Convenção a contagem regressiva até a ratificação, mas eles querem ainda vencer o que mais? O preconceito, mais vagas no mercado de trabalho, o que mais importa agora para o portador de deficiência?
Andrei – A Convenção da ONU contribui enormemente para o avanço das questões da pessoa com deficiência, num aspecto, para emancipação e a plena cidadania, porque, em primeiro lugar, ela substitui a compreensão dessa questão como uma questão médica por uma visão que é de uma questão social, ou seja, deixa de ser aquela coisa que sempre todo mundo pensou, quer dizer: deficiência sinônimo de doença. Não é isso, nós temos para o mercado de trabalho profissionais com deficiência tão competentes como os sem deficiência. Nesse sentido, a Convenção contribui para que esse preconceito, para que essa discriminação deixe de existir, e as pessoas com deficiência sejam incorporadas integralmente na sociedade, no mercado de trabalho, e por aí vai.
Luciana - Nós temos também uma pergunta de Brasília.
Repórter de Brasília – Diretor, o senhor acha que vai ser difícil para o Brasil se adequar a essa Convenção?
Andrei – Eu acho que sim, infelizmente. Porque nós vivemos aqui no Brasil uma contradição. Enquanto o Brasil tem, segundo institutos internacionais, a melhor legislação para a pessoa com deficiência das Américas, é o último no cumprimento dessas leis. Isso faz com que, por exemplo, no Rio de Janeiro nós vivamos uma situação totalmente absurda com a falta do transporte coletivo acessível. Então nós temos uma frota de 10 mil ônibus e apenas 48 adaptados. E é esse o principal obstáculo, quer dizer, como é que as pessoas vão ser incluídas na educação, no trabalho, se elas não têm como ir e vir? O IBDD ganhou uma ação recentemente que fez com que a Prefeitura pague um transporte para um jovem de 21 anos que passou no vestibular de Ciência da Computação da UFRJ.
Luciana – E não tem condições de freqüentar.
Andrei – Mas isso é uma exceção, e uma exceção não resolve o problema das 24 milhões de pessoas com deficiência.
Luciana – Ok. Muito obrigada Andrei Bastos, diretor de Comunicação do Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
Andrei – Obrigado a você Luciana.
***
Deu no Globo Online, Ancelmo.com, 08/05/2008:
Pelos deficientes
Ratifica, Brasil!
O IBDD (Instituto Brasileiro dos Direitos das Pessoas com Deficiência) começou a coletar assinaturas pela Ratificação Já da Convenção da ONU em favor dos deficientes.
Dia 3 agora, a resolução passou a vigorar, em todo o mundo, com o referendo de 25 países. O Brasil, vexame, não está entre eles.
Tem que cumprir
A convenção afirma que as questões das pessoas com deficiência são de natureza social e não médica, como sempre foram entendidas - o que quer dizer: deficiência não é sinônimo de doença. Também retira todo o caráter assistencialista que sempre marcou o atendimento às pessoas com deficiência, deixando claro que as demandas delas são direitos inquestionáveis.
E ainda diz que, sendo a deficiência um atributo do ser humano, os portadores dessas características fazem parte da diversidade humana, podendo contribuir socialmente para o bem-estar comum de suas comunidades. E são sujeitos de direitos e deveres como os demais cidadãos, tendo necessariamente atendidas suas necessidades para equiparar-se aos outros.
(Clique aqui e veja a entrevista no site do IBDD)
Transcrição:
Luciana Barreto – Amanhã entra em vigor a Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência. O Brasil está entre os 27 países que assinaram a Convenção, mas a medida não vai valer a partir de amanhã porque depende da ratificação do Congresso Nacional. Pelo Censo de 2006, cerca de 24 milhões de brasileiros são deficientes.
Daniela Boaventura – Maurício trabalha há dois anos como analista de comércio exterior em uma empresa do Rio. Mas por usar cadeira de rodas, desde que sofreu um acidente e perdeu o movimento das pernas, no ano 2000, ele já enfrentou muitas dificuldades para conseguir emprego.
Maurício Roberto Steiger – Um entrevistador perguntou se eu conseguia ficar em pé. Aí ficou uma situação assim, meio “eu não, lógico que não”. Eu não sei, na verdade, se a pessoa já queria me descartar, na entrevista mesmo, ou se ela se assustou mesmo pelo peso que ela acharia que poderia ser um deficiente na empresa.
Daniela – Por lei, toda empresa deve ter de 1 a 5% do quadro formado por deficientes.
Daniela – 64 funcionários portadores de deficiência trabalham aqui. Todos eles foram contratados através de um rigoroso processo de seleção, têm as necessidades atendidas, mas não têm qualquer privilégio. Mesmo assim a empresa ainda não cumpre a cota estabelecida por lei que é de 5% do quadro de funcionários.
Cristiane de Lucas – Quando a gente diz que quer viabilizar a inclusão, a gente não está focando essencialmente a questão da cota não. É claro que a gente gostaria de cumprir a cota, coisa que hoje ainda não acontece, infelizmente, mas a gente tem um programa de médio e longo prazo.
Daniela – No Brasil, o programa adotado pela empresa ainda é exceção. Quem não cumpre a lei é punido, e qualquer pessoa pode denunciar irregularidades.
Mário Neves – Ela deve procurar a delegacia regional do trabalho, ou através do seu plantão de consulta, ou aqui no núcleo de políticas sociais e efetuar a denúncia que a empresa não está cumprindo a cota. Então isso vai gerar que essa empresa seja incluída no programa de fiscalização e vai gerar que ela seja chamada para a ação fiscal.
Luciana – Para falar sobre esse assunto, está aqui conosco em nosso estúdio o diretor de Comunicação do Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Andrei Bastos. Boa noite.
Andrei Bastos – Boa noite, Luciana.
Luciana – Essa ratificação da Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência iria ajudar também a resolver problemas como esse do mercado de trabalho. O que é que falta para ratificar essa convenção?
Andrei – A chamada vontade política, porque no dia 23 de novembro do ano passado, nós tivemos uma reunião especial na Câmara Federal e o deputado Arlindo Chinaglia prometeu que essa ratificação sairia em menos de 20 dias. Priorizaria a questão da ratificação e logo estaria resolvido. Infelizmente isso não aconteceu e o Brasil perdeu a chance de figurar entre os 20 primeiros países que ratificaram a Convenção.
Luciana – Isso foi frustrante, mas como vocês estão se mobilizando agora para resolver esse problema, para pressionar o Congresso?
Andrei – É, amanhã nós vamos fazer manifestações em todo o país para que os deputados e os senadores, que o Congresso Nacional, enfim, ratifique essa Convenção para que o Brasil possa se beneficiar de tudo que essa Convenção proporciona.
Luciana – Qual a expectativa de 24 milhões de brasileiros a partir de amanhã? Depois dessa Convenção a contagem regressiva até a ratificação, mas eles querem ainda vencer o que mais? O preconceito, mais vagas no mercado de trabalho, o que mais importa agora para o portador de deficiência?
Andrei – A Convenção da ONU contribui enormemente para o avanço das questões da pessoa com deficiência, num aspecto, para emancipação e a plena cidadania, porque, em primeiro lugar, ela substitui a compreensão dessa questão como uma questão médica por uma visão que é de uma questão social, ou seja, deixa de ser aquela coisa que sempre todo mundo pensou, quer dizer: deficiência sinônimo de doença. Não é isso, nós temos para o mercado de trabalho profissionais com deficiência tão competentes como os sem deficiência. Nesse sentido, a Convenção contribui para que esse preconceito, para que essa discriminação deixe de existir, e as pessoas com deficiência sejam incorporadas integralmente na sociedade, no mercado de trabalho, e por aí vai.
Luciana - Nós temos também uma pergunta de Brasília.
Repórter de Brasília – Diretor, o senhor acha que vai ser difícil para o Brasil se adequar a essa Convenção?
Andrei – Eu acho que sim, infelizmente. Porque nós vivemos aqui no Brasil uma contradição. Enquanto o Brasil tem, segundo institutos internacionais, a melhor legislação para a pessoa com deficiência das Américas, é o último no cumprimento dessas leis. Isso faz com que, por exemplo, no Rio de Janeiro nós vivamos uma situação totalmente absurda com a falta do transporte coletivo acessível. Então nós temos uma frota de 10 mil ônibus e apenas 48 adaptados. E é esse o principal obstáculo, quer dizer, como é que as pessoas vão ser incluídas na educação, no trabalho, se elas não têm como ir e vir? O IBDD ganhou uma ação recentemente que fez com que a Prefeitura pague um transporte para um jovem de 21 anos que passou no vestibular de Ciência da Computação da UFRJ.
Luciana – E não tem condições de freqüentar.
Andrei – Mas isso é uma exceção, e uma exceção não resolve o problema das 24 milhões de pessoas com deficiência.
Luciana – Ok. Muito obrigada Andrei Bastos, diretor de Comunicação do Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
Andrei – Obrigado a você Luciana.
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Deu no Globo Online, Ancelmo.com, 08/05/2008:
Pelos deficientes
Ratifica, Brasil!
O IBDD (Instituto Brasileiro dos Direitos das Pessoas com Deficiência) começou a coletar assinaturas pela Ratificação Já da Convenção da ONU em favor dos deficientes.
Dia 3 agora, a resolução passou a vigorar, em todo o mundo, com o referendo de 25 países. O Brasil, vexame, não está entre eles.
Tem que cumprir
A convenção afirma que as questões das pessoas com deficiência são de natureza social e não médica, como sempre foram entendidas - o que quer dizer: deficiência não é sinônimo de doença. Também retira todo o caráter assistencialista que sempre marcou o atendimento às pessoas com deficiência, deixando claro que as demandas delas são direitos inquestionáveis.
E ainda diz que, sendo a deficiência um atributo do ser humano, os portadores dessas características fazem parte da diversidade humana, podendo contribuir socialmente para o bem-estar comum de suas comunidades. E são sujeitos de direitos e deveres como os demais cidadãos, tendo necessariamente atendidas suas necessidades para equiparar-se aos outros.
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