24.10.08

Que tal nos divertirmos até a morte?

MILTON COELHO DA GRAÇA

“Quando 1984 chegou, todos ficamos felizes porque a negra visão do livro de George Orwell não havia ocorrido. A sociedade humana preservava seus ideais de liberdade. Mas tínhamos esquecido uma outra, um pouco mais antiga, a de Aldous Huxley, em ‘Bravo Novo Mundo’. Huxley e Orwell não profetizaram a mesma coisa. Orwell advertia que seríamos dominados por uma opressão imposta de fora. Mas, na visão de Huxley, as pessoas acabariam amando essa opressão, adorando as tecnologias que inibiriam sua capacidade de pensar.”

O livro de Neil Postman – “Divertindo-nos até a morte” - , do qual traduzi (não literalmente) o trecho acima, é um ótimo preparativo para conversarmos sobre a morte da jovem Eloá e o comportamento do jornalismo de televisão, nesse e outros semelhantes episódios anteriores.

É absolutamente anticivilizado, prejudicial, escandaloso, deseducativo - e podem botar mais uma coleção de adjetivos ao gosto de cada um – o comportamento daqueles que têm a missão social de “informar” o público. Infelizmente não temos sequer um código de conduta, como ocorre em todos os países democráticos sérios, estabelecido pela própria sociedade, sobre ética e responsabilidade dos meios de comunicação. Aqui a Constituição de 1988 criou um Conselho de Comunicação Social, destinado a estabelecer os princípios de ética e qualidade a serem seguidos pelas empresas concessionárias de rádio e televisão. Só no final do governo Fernando Henrique, o Conselho foi criado, mas despido de qualquer autoridade ou responsabilidade, além de transformado em mero órgão assessor do Senado Federal. E, no governo Lula, ficou tudo por isso mesmo. Cria-se a TV-Brasil, mas não se mexe no que existe. Triunfaram o lobby das emissoras e a tibieza do Executivo.

Malandramente a ABERT – associação das emissoras - fez prevalecer a idéia da auto-regulamentação, ou seja, elas mesmas é que estabelecem suas regras e zelam pelo seu cumprimento. Ou seja, nada fazem.

Mas espera aí, Milton. Você está dizendo que as emissoras são as responsáveis por aquele show trágico, de mau gosto e deseducação cívica, lá em Santo André? E também aquele outro, da menina que teria sido jogada de um edifício pela madrasta e o próprio pai?

E os jornalistas, os profissionais, que participam desses espetáculos de mau gosto, às vezes até agravam a tragédia, são inocentes?

Infelizmente, nesse quadro, os profissionais só têm a alternativa (ou desculpa) de fazer “tudo que seu mestre mandar”, para não perderem os empregos, cada vez mais escassos. Quem pode fazer, as entidades sindicais, preferem achar que não têm nada com isso.

Então, Milton. quem é culpado? Todos nós, caros leitores, ou pelo menos, a grande maioria de nós. Do jeito que a televisão e o rádio são organizados em nosso país – as tais concessões sem qualquer responsabilidade em troca (o Estado ainda lhes dá muitos milhões em verbas de publicidade auto-elogiativa e sem qualquer benefício social) – rádio e televisão só têm um objetivo: obter os maiores índices possíveis de audiência. E o que é que nós mais gostamos de ver? Onde é que nós nos amontoamos para sermos contados pelos ibopes?

Aquilo mesmo, pessoal. Vimos tudo pela televisão e com entusiasmo, até o enterro de Eloá e as expressões de felicidade daqueles que receberam transplantes dos órgãos da adolescente? E, sem o incômodo de ir até o cemitério, participamos da alegria dos que levaram seus celulares até o cemitério para tirar fotos do caixão? Ô pessoal, vocês não estão vendo o mundo em que vivemos? O progresso é para isso. Vamos tratar de divertir-nos até a nossa morte, como nos alertaram Aldous Huxley e Neil Postman! E até no enterro nos outros!

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