15.2.12

A janela mágica

ANDREI BASTOS

“As noites solitárias há muito tecem a rotina dos meus sessenta anos, como aranhas tecelãs, silenciosas e metódicas. Em vão as lembranças dos dias iluminados por sorrisos e das noites embaladas de prazer tentam preencher o vazio, dentro e fora de mim. Acabou o capítulo da última novela, que mobiliza meus sentimentos como a família que não tenho mais, e só reencontrarei amanhã estas pessoas contidas na luz da tevê. O sono me evita e as mãos ajeitam com os dedos os cabelos, lentamente, como se fossem de outra pessoa me acariciando. Falta pouco para a aposentadoria e me apavoram as tardes que virão no sofá, dolorosamente atravessadas diante do espelho adocicado da vida nas sessões da tarde. O tempo que ainda tenho a cumprir na estatal, antes vivido como prisão, a cada dia parece mais a tenda de oxigênio sem a qual sufocarei, mesmo que eu já não produza nada e dedique até as horas extras às palavras cruzadas e à leitura das antecipações do que acontecerá na novela. Padecendo de viuvez e solidão, o que será de mim?”

“Não sei do que minha amiga coroa está falando com esse baixo astral geral. Eu acho que ela ainda é gostosa, merece um trato e podia curtir a night numa boa – se der mole, eu faço! Tem mulher sobrando na parada, mas a experiência tem seu valor e depois fica mais fácil pegar as gatinhas de jeito. A academia segura a onda do corpinho que mamãe me deu, a praia me dá o bronze que papai do céu não me deu e a única coisa que aprendi na escola foi o papo pra ganhar mulher. O safado de um tio me ensinou que ‘ser bonito não é nada, o chato é ser gostoso’ e nunca mais parei de procurar aprender tudo que é sacanagem, nos filmes pornôs e nas revistas de putaria. Sempre toquei muita punheta e acabei ficando viciado, preferindo uma boa bronha acompanhada de um visual pornô a um telecatch suado na cama. Da última vez que encarei uma xereca ao vivo e a cores, acabei broxando e tendo que dispensar a gata fissurada. Foi mal, mas eu saí com o papo de que a camisinha estava apertada e não deu pra segurar o tesão. Uma vez ou outra isso cola, mas como vai ser no futuro?”

“Quando esse cara me disse que perdeu o tesão porque a camisinha estava apertada, eu não acreditei porque ele não é nenhum avantajado. Como o entusiasmo inicial tinha passado, depois de algumas barbaridades proferidas pelo dito cujo, não me importei e fui tomar uma ducha gelada. No dia seguinte, na faculdade, fiquei o tempo todo pesquisando na biblioteca, embarcando em viagens alucinantes por livros de Antropologia e, entre uma viagem e outra, pensando nas formas de comunicação modernas. No final do dia, atordoada com tantas informações e pensamentos, fui encontrar umas amigas num café ouvindo música no meu iPod. Cheguei antes da hora e fiquei assistindo ao noticiário na tevê exposta na loja em frente. Depois da última notícia, escolhi uma mesa, pedi água mineral e, tendo recebido um torpedo informando que o encontro tinha furado, peguei meu tablet na bolsa e comecei a aproveitar a rede wireless do lugar. Logo estava navegando e entrei na minha 'rede social' preferida, onde, entre muitas outras pessoas, encontrei o cara da camisinha apertada e sua amiga sessentona, todos juntos na janela mágica da internet. O que será de nós?”

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