27.4.12

Estimular a esperança

O Globo, Outra Opinião, 23/04/2012:

TEMA EM DISCUSSÃO: Revisão dos critérios de aplicação da progressão de pena

Estimular a esperança

MAÍRA FERNANDES

A realidade da execução penal normalmente não interessa à sociedade, a menos que sobrevenha um novo crime grave, com repercussão midiática, momento no qual ressurgem as propostas de recrudescimento da legislação punitiva e os questionamentos em torno da Lei de Execução Penal (LEP).

Atualmente, existem 514.582 detentos no Brasil e um déficit de vagas em torno de 40%, evidenciando que não há lugar para abrigar tanta gente — e não haverá nunca, enquanto a prisão for a regra, e não a exceção. Tal cenário desalentador não aconselha penas mais severas, mas a adoção de medidas alternativas, nas quais o índice de reincidência é, comprovadamente, menor. O enrijecimento de leis penais não evita a prática de crimes, apenas colapsa um sistema que não para de crescer.

Da mesma forma, a execução progressiva da pena — que autoriza ao próprio interno, por intermédio de sua conduta carcerária, direcionar o cumprimento de sua reprimenda com vistas a atenuá-la — não é uma vilã a ser vencida, mas uma das mais importantes garantias legais, pois assegura a individualização da pena e a preservação dos direitos fundamentais do preso previstos em nossa Constituição (embora, na prática, também seja uma forma de o sistema controlar seu comportamento carcerário).

Autorizados pelo Juízo da Vara de Execuções Penais, muitos presos deixam as unidades de regime aberto e semi-aberto diariamente para trabalhar, estudar, visitar a família, enfim, reconstruir suas vidas, e retornam ao sistema no fim do dia — não evadem ou praticam novos crimes, como se crê. Além disso, mais de seis mil liberados condicionais de diversas cidades do Rio de Janeiro comparecem trimestralmente aos patronatos no Rio ou em Campos, os únicos existentes para atender a todo o estado, o que dificulta o cumprimento do benefício.

São egressos do sistema que lutam contra o olhar estigmatizante para se reinserir em sociedade sem as sombras do passado. Um desafio que se torna mais penoso quando um caso de reincidência vira notícia, rotulando indivíduos, como se suas histórias de vida, crime, cárcere e recomeço fossem iguais. Uma generalização perigosa.

Não é a LEP que requer mudanças, mas a forma de se pensar e aplicar políticas penais e penitenciárias, com a prioridade que o tema merece. Afinal, de que vale uma lei de execuções penais se, no Rio de Janeiro, apenas quatro juízes — auxiliados por um reduzido número de servidores — irão aplicá-la em milhares de processos, dos quais cerca de 30 mil são somente de réus presos? A culpa da criminalidade não é da LEP ou do Código Penal. Não é da progressão de regime, da comutação da pena ou de qualquer benefício concedido aos presos. Ao contrário.

É a perspectiva de atenuar sua pena que mantém o preso conectado com a realidade, diante da expectativa de retorno ao convívio social. Não há interno que não conheça, em detalhes, a contagem de suas frações de pena para alcançar o lapso temporal necessário à obtenção de benefícios.

A sociedade, mesmo a contragosto, precisa voltar a debater um tema fundamental: o que se pretende com a aplicação da pena? Com a prisão, o Estado já suprime dos indivíduos a liberdade. Não lhes pode tirar a esperança.

MAÍRA FERNANDES é advogada criminal e presidente do Conselho Penitenciário do RJ.

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