A idade da razão
ANDREI BASTOS
Para minhas sobrinhas Alice e Luisa, lindas e cheias de razão.
Para minhas sobrinhas Alice e Luisa, lindas e cheias de razão.
Em 1968, quando eu tinha 17 anos, as pessoas de 60 eram contra as
minhas escolhas políticas, que muitas vezes se manifestaram na Cinelândia,
começando pelo velório de Edson Luís, estudante morto pela ditadura.
Junto com os Beatles e os Rolling Stones, eu curtia Geraldo Vandré, Caio
Prado Júnior, Caetano, Vladimir Ilitch Lenin, Gil e, acima
de tudo, Che Guevara. No fundo, o cenário e a trilha musical dos meus 17 anos
mesclavam sons, imagens e pensamentos diversos no ritmo dos sonhos de liberdade,
para mim e para o mundo que minha geração estava transformando.
Tudo mudou com a força da razão contida em nossas ideias e com o poder
do amor que existia em nossos corações. Fomos vitoriosos e conseguimos
transformar o mundo, fazendo-o melhor, apesar da sofrida, sangrenta, torturante
e, muitas vezes, mortal derrota que a força das armas e o poder do mal que
habitava torturadores e assassinos da ditadura nos infligiram.
Hoje, por mais que as forças sombrias da existência insistam em
conspurcar e corromper as conquistas obtidas na nossa juventude, atuais
sexagenários que somos, novos contingentes de sonhadores de 17 anos se sucedem,
mantendo o ritmo das mudanças do mundo, sempre para melhor.
É verdade que uma das derrotas que sofremos, certamente a maior, foi o
vazio em nossa história deixado pelo “apagamento” da geração 68 e pela anulação
intelectual e existencial da que se seguiu a ela. Mas nada como um dia após o
outro para renovar as boas surpresas da vida.
E uma das últimas boas surpresas que tive foi o convite que minhas
sobrinhas de 19 e 17 anos, Alice e Luisa, me fizeram para assistir a um filme sobre
problemas do meio ambiente e sustentabilidade, com debate no fim da projeção. Isso
foi há uns poucos meses e, para minha maior surpresa, o evento estava programado
para 9h de um domingo, na Cinelândia (!).
Quase não acreditei no auditório grande lotado que encontrei, e só não
me senti deslocado na multidão de recém-saídos da adolescência porque minhas
sobrinhas lindas me acobertaram. Depois, também quase não acreditei quando o
programa se revelou um ato político liderado por um parlamentar convencional,
de um partido igualmente convencional.
Eu, que me considero um adolescente de 60 anos, que ainda frequenta manifestações
políticas na Cinelândia, a exemplo do último protesto na porta do Clube Militar,
encarei a cena de um político careta falando para uma pequena multidão de gente
aparentemente igual a mim, ao menos em pensamento, como um anacronismo. Eu, que
propus a autodissolução do partido ao qual era filiado por não acreditar mais na
política partidária convencional, me senti, aí sim, deslocado no meu
radicalismo.
Por outro lado, meus 17 anos também me ensinaram a ouvir e considerar
outros pontos de vista, que agora, com a mesma razão contida nas ideias e o
mesmo amor existente nos corações adolescentes de 1968 na Cinelândia, me foram
apresentados pelo público daquele auditório do cinema Odeon, por Alice, Luisa e
pela amiga delas, Gisela “Freixo”.
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