18.1.15

EX NIHILO


EX NIHILO

Antônio Bastos

Ex nihilo é uma expressão em latim que significa “a partir do nada”. Filosoficamente, a expressão indica um princípio metafísico segundo o qual o ser não pode começar a existir a partir do nada. A frase é atribuída ao filósofo grego Parménides.

O princípio em questão pode ser colocado em relação à origem do universo. Dado que o universo existe, então, ou existiu sempre, ou teve um começo. Se teve um começo, então significa que surgiu do nada, porque o universo, é por definição, tudo o que existe.

Existem religiões que postularam que o universo não surgiu do nada, mas de um Deus criador, e que esse Deus existiu sempre. Isto contradiz o princípio de que surgimos “a partir do nada”. Logo, seguindo este raciocínio, o universo existiu sempre.

Meu sobrinho, Alex, estudou em uma escola religiosa e escolheu fazer a faculdade de Ciências Biológicas. A ele coube, e caberia ainda muito mais, colocar ciência, religião, filosofia, e tantas outras áreas do conhecimento em diálogo para, através da bioinformática, área à qual se dedicava, alcançar seu objetivo pessoal: ajudar na cura de doenças.

Mas este caminho foi interrompido, assim, “a partir do nada”. Um crime de latrocínio tirou-o de nós.

Com o choque do fato, naturalmente, me fiz a pergunta: como assim isso foi acontecer com ele? A resposta, a razão, eu já sabia, mas ela ficou mais evidente na minha mente ao viver esses dias de profunda tristeza.

Não vou me atrever a filosofar. E, me afastando um pouco do assunto sobre a criação do universo, tema que deixo para meu sobrinho cientista discutir onde estiver, e indo ao encontro de outro assunto, o da nossa criação, da nossa formação como cidadãos, como pessoas que constroem e moldam outras pessoas, outros cidadãos – assunto também relacionado ao meu sobrinho, como educador, professor que é, digo que “nada surge do nada”.

O meu sobrinho não surgiu do nada. Sua inteligência, seu amor, sua dedicação ao estudo, ao ensino, tudo nele pôde prosperar porque seus pais, sua família e ele próprio, escolheram o caminho do bem, e nele se mantiveram com muito esforço, dedicação e sacrifício.

A violência que nos tirou o Alex do convívio, também não surgiu do nada. Ela é fruto de uma sociedade “tolerante”, que tolera e se cala diante do intolerável, que perdeu sua capacidade de se indignar, que perdeu sua consciência cidadã.

Cada vida tirada de forma brutal e covarde diminui a todos nós, pois fazemos parte da humanidade.

Todos nós carregaremos, junto com o Estado, a culpa pela morte do Alex, sim! A inépcia do Estado, deste governo e dos governos anteriores, é um reflexo do que somos. Este Estado, este governo e os anteriores, também não surgiram do nada.

Nós somos o Estado!

No Brasil morrem de forma violenta mais de 50 mil pessoas por ano. Este número supera as mortes ocorridas em 1 ano em todos os conflitos, as guerras, existentes atualmente no mundo! Supera o número de mortos de todos os atos terroristas ocorridos no ano…

Na França, mataram 12 jornalistas num ato de terror. Nos EUA um guarda branco matou um jovem negro. A intolerância racial e religiosa, nesses casos, fizeram com que pessoas perdessem a vida de forma brutal. Mas, em ambos os casos, a sociedade não perdeu a capacidade de indignar-se, de reagir. Negros foram as ruas nos EUA; a sociedade francesa se indignou, reagiu.

Na Nigéria mataram de forma bárbara mais de 2 mil pessoas de uma só vez. No Brasil são mais de 50 mil por ano, mais de 4 mil por mês. E não somos capazes de sentir indignação.

Nós, assim como muitos países africanos, pobres, ou socialmente menos desenvolvidos, não temos consciência cidadã. Esta é a diferença. A África, o terror, o cidadão de segunda classe, tudo isso, está tudo aqui, no Brasil.

Enquanto tolerarmos cortes nas verbas de educação, da saúde e nos demais serviços essenciais; enquanto aceitarmos estatísticas manipuladas para defender políticos e partidos, no lugar da defesa de causas e bandeiras; enquanto não entendermos que nós somos o Estado!, não iremos ter consciência cidadã e estaremos entregues à própria sorte, ou desgraça.

O padre na missa de sétimo dia do Alex, falou sobre ciência, religião, sobre a alegria da vida, a alegria do Alex. Falou e lembrou o cientista que Alex é, o cidadão, gente boa, que ensina e quer ajudar a descobrir, através da pesquisa, a cura para doenças. O padre citou na sua fala a expressão “ex nihilo” para dissertar sobre a trajetória e história do Alex, sempre dedicada ao estudo e às pessoas, e para, ao fim, dizer quem ele é: amor em forma de cientista e professor.

Escrevo assim, no presente, uso este tempo de verbo, como a Mausy, mãe do Alex, o fez em sua fala na igreja, pois ele, Alex, não está morto, ele viverá entre nós para sempre.

Nós somos Alex.

(Publicado no Facebook em 16/01/2015)

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