30.8.07

Estamos sendo enganados

Portal PPS (www.pps.org.br), 30/08/2007:

Estamos sendo enganados

Andrei Bastos *

O Projeto de Lei 7.966/06 que tramita na Câmara dos Deputados, do Estatuto do Portador de Deficiência, aprovado pelo Senado ao apagar das luzes do ano passado, é uma armadilha muito bem preparada para as pessoas com deficiência. Embora o estágio em que se encontra ainda permita modificações, o esforço não se justifica. As pessoas com deficiência brasileiras dispõem de excelente proteção legal, considerada a melhor das Américas, sem o caráter excludente que um Estatuto contém e que contraria o princípio de inclusão social duramente afirmado em décadas de luta: a Constituição é o estatuto das pessoas com ou sem deficiência do Brasil.

A maior conquista dos deficientes é o direito à igualdade de oportunidades, com o pleno exercício da cidadania, e tomando eles mesmos a iniciativa do seu processo de inclusão, o que tem sido sempre motivo de grande orgulho. Porque aceitar, nessa altura do campeonato, ser tutelados por uma lei excepcional? Os Estatutos da criança e do adolescente e o do idoso contemplam pessoas que, antes, ou não dispunham de nenhuma proteção, como no caso dos idosos, ou dispunham de uma legislação inadequada e injusta, como era o Código do Menor. Se as leis existentes para os deficientes têm falhas, só é preciso emendá-las. Se não são cumpridas, não será um Estatuto que reverterá a situação.

O que é preciso fazer é cobrar do Executivo o cumprimento das leis e, quanto ao Estatuto, devemos é combatê-lo, inclusive apresentando propostas de aperfeiçoamento da legislação existente, sem os prejuízos que ele causará. Tais prejuízos se configuram na inevitável revogação de direitos conquistados, pois para a aplicação da lei a prevalência natural do diploma mais recente vai gerar confusão na interpretação jurídica.

A leitura do Projeto de Lei do Estatuto corre solta enquanto se trata de obrigações do Estado e de medidas programáticas. Quando chegamos no que incomoda e representa um direito humano e fundamental violado, o direito de ir e vir nos transportes coletivos, sem a garantia do qual não adianta falar de nenhum outro direito, ficamos sem chão e “perdemos o ônibus da história”. Está claro que o Estatuto proposto não atende às pessoas que diz defender. Com suas proposições de novos regulamentos e prazos, ele é, na verdade, um largo passo para a condenação à exclusão perpétua das pessoas com deficiência.

O texto em questão não se justifica, nem mesmo como uma compilação das leis existentes, pois fez cópias imperfeitas, é contraditório e ineficaz juridicamente ao dizer que “as obrigações previstas nesta Lei não excluem as já estabelecidas em outras legislações” ou quando corrobora a idéia de exclusão perpétua das pessoas com deficiência ao exigir novos prazos e condições ainda a serem estabelecidas em regulamentos nas Seções II, III e IV, nos Artigos ou Parágrafos que se referem à acessibilidade nos transportes coletivos.

Vejam o que diz a proposta de Estatuto:

Art. 136, Parágrafo 1º - “A competência e o prazo para a elaboração das normas técnicas para fabricação dos veículos e dos equipamentos de transporte coletivo rodoviário, público e privado, serão definidas em regulamento.”

Vejam o que o decreto 5.296, que é insatisfatório, mas é um regulamento que já existe, diz:

Art. 38, Parágrafo 1º - “As normas técnicas para fabricação dos veículos e dos equipamentos de transporte coletivo rodoviário, de forma a torná-los acessíveis, serão elaboradas pelas instituições e entidades que compõem o Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial, e estarão disponíveis no prazo de até doze meses a contar da data da publicação deste Decreto.”

Qual dos textos acima toca a ferida verdadeiramente e pode representar um avanço efetivo? O que prorroga indefinidamente as regulamentações e os prazos para aplicação ou o que bem ou mal já regulamenta e tem prazo até vencido?

Embora a pressão seja grande, fazendo com que muita gente boa, contrária a este equívoco desde o início, jogue a toalha achando que é inevitável e só é viável lutar para que o prejuízo seja o menor possível, não podemos deixar de reconhecer a verdade. Que esta verdade tenha força para não permitir que sejamos enganados!

* é jornalista e dirigente do PPS-RJ

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