Vou lutar até o fim
O Globo, Opinião, 25/09/2007:
Vou lutar até o fim
TERESA COSTA D’AMARAL
Dei uma entrevista para o Edney Silvestre. Foi muito bom poder falar do meu trabalho, mas foram a delicadeza e a competência dele que me emocionaram. E me surpreendeu o moderador do chat na internet, feito logo após a entrevista, me perguntar: “Notei que você fala nós o tempo todo e você não é deficiente, como é isso?”.
Como é esse sentimento de ter a alma tomada por um sentido de luta e de solidariedade em um país tão injusto?
As organizações não-governamentais no Brasil tiveram que responder às demandas das pessoas com deficiência e suas famílias, e a grande recompensa que ambas recebem é o desrespeito de políticas assistenciais baseadas na esmola. Até hoje, o que deveria ser distribuído como direito é dado como favor, eternamente encarado como benemerência de políticos que nada entendem de cidadania.
Revoltou-me a organização do Parapan. Podem até me dizer que foi seguido o processo, que são os organizadores que recebem as verbas, que os clubes que treinam e apóiam os atletas na construção de suas cidadanias já deviam saber que os recursos públicos não são para eles, que fazem a coisa pública, mas para os organizadores que pagam a festa. Acontece que são os atletas e seus clubes que fazem a festa. No dia-a-dia, ano após ano, o Tenório, o André e o Caco competiram, treinaram e se superaram com o apoio técnico e financeiro do seu clube, do IBDD, mas nem para as festas recebemos convites. Fomos barrados na abertura e no encerramento, só era permitida a presença daqueles que concordam com a esmola, e o IBDD não concorda.
Mas muito mais difícil, muito mais sufocante, é ter de conviver com a tramitação no Congresso do projeto de lei que propõe a criação do estatuto da pessoa com deficiência.
Não é só o absurdo de tentarem criar um novo corpo de lei para as questões relacionadas às pessoas com deficiência, área onde o Brasil tem uma legislação moderna e exemplar, certificada por pesquisa de instituto internacional como a mais moderna das Américas.
Revolta-me o fato de a proposta ter tramitado sem ser examinada por nenhuma comissão nem ter tido nenhum relatório discutido ou aprovado e, mesmo assim, ter sido rapidamente colocada em regime de urgência para votação em plenário. E a pressa era tanta que quase que o projeto de lei era votado sem respeitar o trancamento da pauta do Congresso por medidas provisórias.
Com ele aprovado perderemos direitos duramente conquistados, mas estamos impotentes diante do poder de falsos novos parceiros de luta. Não dá para entender, parlamentares que nunca se interessaram pelos nossos problemas e que nunca conviveram com nossas histórias de repente se interessarem por sua votação.
Acho absurdo que, de acordo com a proposta de estatuto em tramitação, o Tenório, nosso herói único, com três ouros em três paraolimpíadas, seja obrigado a ter a assistência do Ministério Público para se divorciar ou processar seu inquilino.
E como posso não me surpreender e revoltar quando, logo agora que os prazos legais para acessibilidade em prédios e transportes públicos vão vencendo e vamos ganhando processos na Justiça, o projeto de estatuto propõe que novos prazos sejam estabelecidos por novos regulamentos a serem criados.
Fico com essa perplexidade, ter que lutar contra tudo e contra todos para preservar nossos direitos. Vou lutar até o fim. Como disse, acredito que o estatuto da pessoa com deficiência é a Constituição brasileira. Mas esqueci de dizer que o mais difícil é conviver com essas dificuldades inventadas pelos políticos e pelos homens públicos brasileiros, resultantes do desconhecimento, da superficialidade e do desrespeito no trato da coisa pública. O mais fácil é viver o sonho como você disse, um pouco louco, é verdade, de fazer o IBDD, de construir solidariedade e cidadania em um país tão injusto.
TERESA COSTA D’AMARAL é superintendente do Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência (IBDD).
Vou lutar até o fim
TERESA COSTA D’AMARAL
Dei uma entrevista para o Edney Silvestre. Foi muito bom poder falar do meu trabalho, mas foram a delicadeza e a competência dele que me emocionaram. E me surpreendeu o moderador do chat na internet, feito logo após a entrevista, me perguntar: “Notei que você fala nós o tempo todo e você não é deficiente, como é isso?”.
Como é esse sentimento de ter a alma tomada por um sentido de luta e de solidariedade em um país tão injusto?
As organizações não-governamentais no Brasil tiveram que responder às demandas das pessoas com deficiência e suas famílias, e a grande recompensa que ambas recebem é o desrespeito de políticas assistenciais baseadas na esmola. Até hoje, o que deveria ser distribuído como direito é dado como favor, eternamente encarado como benemerência de políticos que nada entendem de cidadania.
Revoltou-me a organização do Parapan. Podem até me dizer que foi seguido o processo, que são os organizadores que recebem as verbas, que os clubes que treinam e apóiam os atletas na construção de suas cidadanias já deviam saber que os recursos públicos não são para eles, que fazem a coisa pública, mas para os organizadores que pagam a festa. Acontece que são os atletas e seus clubes que fazem a festa. No dia-a-dia, ano após ano, o Tenório, o André e o Caco competiram, treinaram e se superaram com o apoio técnico e financeiro do seu clube, do IBDD, mas nem para as festas recebemos convites. Fomos barrados na abertura e no encerramento, só era permitida a presença daqueles que concordam com a esmola, e o IBDD não concorda.
Mas muito mais difícil, muito mais sufocante, é ter de conviver com a tramitação no Congresso do projeto de lei que propõe a criação do estatuto da pessoa com deficiência.
Não é só o absurdo de tentarem criar um novo corpo de lei para as questões relacionadas às pessoas com deficiência, área onde o Brasil tem uma legislação moderna e exemplar, certificada por pesquisa de instituto internacional como a mais moderna das Américas.
Revolta-me o fato de a proposta ter tramitado sem ser examinada por nenhuma comissão nem ter tido nenhum relatório discutido ou aprovado e, mesmo assim, ter sido rapidamente colocada em regime de urgência para votação em plenário. E a pressa era tanta que quase que o projeto de lei era votado sem respeitar o trancamento da pauta do Congresso por medidas provisórias.
Com ele aprovado perderemos direitos duramente conquistados, mas estamos impotentes diante do poder de falsos novos parceiros de luta. Não dá para entender, parlamentares que nunca se interessaram pelos nossos problemas e que nunca conviveram com nossas histórias de repente se interessarem por sua votação.
Acho absurdo que, de acordo com a proposta de estatuto em tramitação, o Tenório, nosso herói único, com três ouros em três paraolimpíadas, seja obrigado a ter a assistência do Ministério Público para se divorciar ou processar seu inquilino.
E como posso não me surpreender e revoltar quando, logo agora que os prazos legais para acessibilidade em prédios e transportes públicos vão vencendo e vamos ganhando processos na Justiça, o projeto de estatuto propõe que novos prazos sejam estabelecidos por novos regulamentos a serem criados.
Fico com essa perplexidade, ter que lutar contra tudo e contra todos para preservar nossos direitos. Vou lutar até o fim. Como disse, acredito que o estatuto da pessoa com deficiência é a Constituição brasileira. Mas esqueci de dizer que o mais difícil é conviver com essas dificuldades inventadas pelos políticos e pelos homens públicos brasileiros, resultantes do desconhecimento, da superficialidade e do desrespeito no trato da coisa pública. O mais fácil é viver o sonho como você disse, um pouco louco, é verdade, de fazer o IBDD, de construir solidariedade e cidadania em um país tão injusto.
TERESA COSTA D’AMARAL é superintendente do Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência (IBDD).
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