20.11.08

Milícia aumenta população de rua

Jornal do Brasil, 20/11/2008:

Milícia aumenta população de rua
Levantamento mostra que 13,3% dos sem-teto em Santa Cruz foram expulsos de favelas

Marcelo Migliaccio

Mais um aspecto nefasto da atuação das milícias nas comunidades carentes do Rio foi revelado ontem pelo levantamento sobre a população de rua na capital, realizado anualmente pela Secretaria Municipal de Ação Social. A pesquisa mostra que em Santa Cruz (Zona Oeste), onde as favelas são dominadas por grupos paramilitares, 13,3% das pessoas que vivem nas ruas estão nesta situação por terem sido expulsas de suas casas. Na área de Ramos, onde fica o Complexo do Alemão, dominado por traficantes de drogas, esse percentual é de apenas 2%.

– Com a milícia, não tem diálogo, ela é imperial – constata o secretário municipal de Ação Social, Marcelo Garcia. – Nas áreas dominadas por esses grupos, essa situação de expulsão de casa é crescente. É a guerra urbana.

Em sua atuação parlamentar como presidente da CPI das Milícias, na Assembléia Legislativa do Rio, o deputado Marcelo Freixo (PSOL) já tinha detectado a tendência em toda a Zona Oeste, onde a pesquisa contou 124 moradores de rua.

– A expulsão de famílias de presidiários ou ex-detentos é comum. Os milicianos também tomam as casas de parentes de traficantes, mesmo que o tráfico já tenha sido banido do local – afirma Freixo.

O deputado conta que a CPI evitou chamar essas pessoas vilipendiadas para depor a fim de não expô-las a novos riscos.

– Por isso, criamos o disque-milícia e já encaminhamos famílias com esse problema ao programa de proteção à testemunha.

Freixo diz que os milicianos costumam dar prazos de não mais de dois dias para que as pessoas deixem suas casas, às vezes levando apenas as roupas.

– Eles dominam pelo terror. Só colocando medo nas pessoas podem fazer funcionar seus esquemas de cobrança por segurança, gás…

Migração

Segundo o secretário Marcelo Garcia, outro dado extraído do levantamento mostra o deslocamento da população de rua para bairros onde não ocorrem as operações empreendidas pela Secretaria Estadual de Governo, denominadas IpaBacana, CopaBacana e BarraBacana.

– Houve um esvaziamento das áreas da Zona Sul onde ocorrem essas operações mais violentas – afirma Garcia. – O resultado foi o deslocamento para bairros como Flamengo, Centro e Tijuca.

Em nota, a Secretaria Estadual de Governo argumenta que faz a sua parte:

“O Governo do Estado informa que o trabalho pela ordem urbana é uma atribuição municipal. O Estado faz uma ação complementar. Entre outras iniciativas, a população de rua acolhida nas operações CopaBacana, IpaBacana e BarraBacana é levada para abrigos, onde são oferecidos cursos de capacitação profissional e inserção no mercado de trabalho. Os que precisam de médicos, são encaminhados para atendimento (…)”

Sobre a volta das pessoas recolhidas às ruas, Garcia rechaça a visão de que o trabalho seja semelhante ao ato de enxugar gelo:

– Tenho antipatia por essa visão. Mantemos 2 mil pessoas em abrigos, temos 300 crianças com famílias acolhedoras. A saída é trabalhar cada pessoa e seus problemas individualmente.

Garcia também se espantou com o crescimento de mulheres sem-teto, um aumento de 43% em relação à pesquisa de 2007.

– Há 600 mil indigentes no Estado. O Bolsa-Família contempla 140 mil e contribui, principalmente, para a diminuição da evasão escolar. Outro problema é o fluxo de pessoas que vêm do Nordeste e do Centro-Oeste.

***

“Milicianos me violentaram e tomaram a minha casa”

“Eu morava numa favela em Santa Cruz, mas é melhor nem dizer o nome. Meu inferno começou quando o homem com quem eu vivia deixou a nossa casa. Fiquei morando sozinha com meus três filhos. Logo que souberam que eu estava só, três membros da milícia começaram a mexer comigo quando eu passava na rua. Como não dei bola para eles, ficaram com raiva de mim. Numa noite, eu estava em casa com as crianças quando os três invadiram e me violentaram. Apanhei muito e não podia gritar para meus filhos não acordarem. Foi horrível, até hoje tenho pesadelo com aquilo. Eles ficaram lá várias horas me estuprando e me batendo. Quebraram todos os meus dentes. No dia seguinte, saí de casa com as crianças e nunca mais voltei. Se não tivesse a casa da minha irmã, em outra favela, estaria morando na rua. O pior é que eles ficaram com a minha casa.”

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