9.10.09

É preciso mudar a escrita

ANDREI BASTOS

Nunca é tarde para uma reflexão, que não precisa estar atrelada à atualidade da notícia.

A história, veiculada na mídia em agosto, das duas irmãs que cumprem pena por tráfico no Paraná, chegaram grávidas à penitenciária e hoje cuidam dos filhos na creche da instituição, repetindo a própria mãe, também presa por tráfico na mesma penitenciária quando elas tinham 3 e 2 anos de idade, sem dúvida oferece material para livro, filme ou novela, bem brasileira por sinal, que explore a dramaticidade dessa sina triste.

Mas o destino das duas será apenas uma sina? Pior que isso, ele poderá ser usado como argumento de defesa da idéia nazista de hereditariedade do crime?

Vendedora de videogames no Paraguai, uma das irmãs exemplifica o desrespeito aos direitos das duas e o pouco ou nenhum investimento feito na formação delas, quando crianças na prisão e depois. De forma igual, nada foi feito de efetivo para a recuperação e reintegração social da mãe. Certamente a mesma necessidade de fugir da miséria que a transformou em traficante empurrou as filhas para o cárcere de agora.

Sem o respeito aos direitos das crianças e sem as oportunidades que só a ação e presença do Estado podem criar, em contraponto à tentação da remuneração fácil do tráfico, essas duas mulheres tornaram-se presas fáceis do sistema social perverso em que vivemos, cuja maldade maior é, quase sempre, punir apenas os mais fracos.

O que está sendo feito para a reintegração social das duas irmãs, além da troca de três dias de trabalho na creche por um dia a menos na pena? Que atenção os filhos delas e das outras presidiárias estão recebendo para não darem subsídios aos defensores da idéia de que o crime também é herança genética ou para não eternizarem a sina? Como essas crianças poderão mudar essa escrita?

A manutenção do sistema carcerário é cara, sem dúvida, mas nada ou pouco custará a mais proporcionar às detentas o atendimento psicossocial necessário e possibilidades de qualificação educacional e profissional, assim como dedicar aos seus filhos a atenção exigida pelo simples fato de serem crianças e que, por isso mesmo, têm seus direitos preconizados no Estatuto da Criança e do Adolescente, que completou 19 anos em julho sem implementação efetiva.

Além do mais, diante dos prejuízos infligidos à sociedade pela continuidade das atividades criminosas, tais providências estão plenamente justificadas por mais caras que sejam e, mesmo sem levar em conta que é uma questão de direitos humanos, é a velha história de que “o barato sai caro”, com duplo sentido, por favor.

Se desejamos mais qualidade de vida e um mundo de paz, melhor e mais justo, não podemos deixar de mudar a escrita que perpetua a sina triste das irmãs encarceradas com os filhos. E quanto às produções artísticas, não precisamos nos preocupar, pois mesmo sem casos como esse, não faltarão histórias da vida real para inspirar os novelistas.

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Clique aqui para ler a notícia no O Globo Online.

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