O veneno
ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Sempre pensei e debati alternativa de caminho e de organização para nosso país. Engajei-me na vida pública brasileira determinado a lutar por uma alternativa. Nada arrefeceu minha fé na viabilidade e na necessidade dela. Descobri, porém, que nosso imenso potencial está inibido e ameaçado pelos efeitos de um veneno: os acertos entre o dinheiro e o poder. Se não extirparmos esse veneno, não construiremos modelo de desenvolvimento calcado na democratização de oportunidades para aprender, trabalhar e produzir. A mediocridade, o medo e a injustiça continuarão a imperar no Brasil.
No círculo íntimo do dinheiro e do poder, todo o mundo sabe como funciona o sistema. Quase todos calam. A classe média, que acompanha a política pelos jornais, não compreende a dimensão do problema. A maioria trabalhadora está por fora das causas, embora enfrente a consequência: nunca contar com governo que esteja de seu lado.
As grandes empresas e os grandes empresários, a começar pelos bancos e pelas empreiteiras, financiam a política, na maior parte por caixa dois -- portanto, criminosamente. Costumam dividir as fichas: apoio para todos os candidatos competitivos; apoio maior para os preferidos. Nas campanhas presidenciais os ricaços se reúnem com os candidatos como se fossem acionistas interrogando os dirigentes das empresas em que investem. No poder, os eleitos achacam os endinheirados. E distribuem em troca proteção do governo para os negócios dos achacados.
As forças que governavam o Brasil antes de Lula burilaram esse sistema. O governo Lula o radicalizou. O presidente ex-operário, que nunca quis saber de confusão, amarelou desde o primeiro dia de seu mandato. Teve medo da luta pela mudança; a falta de idéias deu cobertura para a falta de coragem. A corrupção sistêmica, expressa no regime de trocas de dinheiro privado por proteção oficial, alargou um segundo canal de negocicismo, que o governo anterior já havia aberto: o uso dos fundos de pensão para trocar financiamentos eleitorais por investimentos perdedores.
E agora? As 30 mil famílias que recebem o grosso dos juros pagos pelo Estado e que são as beneficiárias de um modelo econômico que mata a produção e arrocha o trabalho estão subornadas por governo que elas, por sua vez, subornam. Esse governo procura calar a boca dos pobres com a distribuição em massa das migalhas de seus programas sociais. A classe média, estrangulada e aflita, não vislumbra opção, de rumo ou de agente. A elite empresarial comenta as licitações manipuladas, os mega-negócios feitos e desfeitos com favor oficial, o custo em reais e em truques de levar a população a acreditar num ou noutro candidato. A corrupção campeia. E o Brasil sangra.
O que devo fazer? Não sou juiz, promotor, policial ou sequer jornalista investigativo. Constato, porém, a visão generalizada dentro da elite brasileira de como funciona o sistema. Minha posição é privilegiada e protegida, professor vitalício que sou em universidade estrangeira. Se eu, que carrego esse escudo, encontro dificuldade em montar a reação, como posso cobrá-la de meus concidadãos mais vulneráveis? Encontremos, todos nós, os inconformados, força em nós mesmos para liderar insurreição nacional contra esse amesquinhamento de nosso futuro. Já somos muitos. Levantemo-nos para levantar o país.
24 de janeiro de 2006
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nessa coluna: www.law.harvard.edu/unger
Sempre pensei e debati alternativa de caminho e de organização para nosso país. Engajei-me na vida pública brasileira determinado a lutar por uma alternativa. Nada arrefeceu minha fé na viabilidade e na necessidade dela. Descobri, porém, que nosso imenso potencial está inibido e ameaçado pelos efeitos de um veneno: os acertos entre o dinheiro e o poder. Se não extirparmos esse veneno, não construiremos modelo de desenvolvimento calcado na democratização de oportunidades para aprender, trabalhar e produzir. A mediocridade, o medo e a injustiça continuarão a imperar no Brasil.
No círculo íntimo do dinheiro e do poder, todo o mundo sabe como funciona o sistema. Quase todos calam. A classe média, que acompanha a política pelos jornais, não compreende a dimensão do problema. A maioria trabalhadora está por fora das causas, embora enfrente a consequência: nunca contar com governo que esteja de seu lado.
As grandes empresas e os grandes empresários, a começar pelos bancos e pelas empreiteiras, financiam a política, na maior parte por caixa dois -- portanto, criminosamente. Costumam dividir as fichas: apoio para todos os candidatos competitivos; apoio maior para os preferidos. Nas campanhas presidenciais os ricaços se reúnem com os candidatos como se fossem acionistas interrogando os dirigentes das empresas em que investem. No poder, os eleitos achacam os endinheirados. E distribuem em troca proteção do governo para os negócios dos achacados.
As forças que governavam o Brasil antes de Lula burilaram esse sistema. O governo Lula o radicalizou. O presidente ex-operário, que nunca quis saber de confusão, amarelou desde o primeiro dia de seu mandato. Teve medo da luta pela mudança; a falta de idéias deu cobertura para a falta de coragem. A corrupção sistêmica, expressa no regime de trocas de dinheiro privado por proteção oficial, alargou um segundo canal de negocicismo, que o governo anterior já havia aberto: o uso dos fundos de pensão para trocar financiamentos eleitorais por investimentos perdedores.
E agora? As 30 mil famílias que recebem o grosso dos juros pagos pelo Estado e que são as beneficiárias de um modelo econômico que mata a produção e arrocha o trabalho estão subornadas por governo que elas, por sua vez, subornam. Esse governo procura calar a boca dos pobres com a distribuição em massa das migalhas de seus programas sociais. A classe média, estrangulada e aflita, não vislumbra opção, de rumo ou de agente. A elite empresarial comenta as licitações manipuladas, os mega-negócios feitos e desfeitos com favor oficial, o custo em reais e em truques de levar a população a acreditar num ou noutro candidato. A corrupção campeia. E o Brasil sangra.
O que devo fazer? Não sou juiz, promotor, policial ou sequer jornalista investigativo. Constato, porém, a visão generalizada dentro da elite brasileira de como funciona o sistema. Minha posição é privilegiada e protegida, professor vitalício que sou em universidade estrangeira. Se eu, que carrego esse escudo, encontro dificuldade em montar a reação, como posso cobrá-la de meus concidadãos mais vulneráveis? Encontremos, todos nós, os inconformados, força em nós mesmos para liderar insurreição nacional contra esse amesquinhamento de nosso futuro. Já somos muitos. Levantemo-nos para levantar o país.
24 de janeiro de 2006
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nessa coluna: www.law.harvard.edu/unger
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