25.8.09

Eu quero uma melancia

Meu protesto de hoje

Eu quero uma melancia

ANDREI BASTOS

Alguém aí tem uma melancia para eu pendurar no pescoço? Talvez com esse adereço eu consiga chamar a atenção para a falta de acessibilidade no Palácio Guanabara, sede do governo carioca e que, por isso mesmo, deveria ser o primeiro a cumprir a lei. E não adianta dizer que o prédio é tombado, pois a tecnologia já resolveu isso.

Há exatamente um ano, fui convidado para a cerimônia de assinatura de um convênio entre a Faperj e instituições do segmento das pessoas com deficiência no mesmo Salão Nobre desse palácio em que hoje, dia 25 de agosto de 2009, foram realizadas a “Entrega de Reparação Simbólica a Ex-presos Políticos e Famílias Vítimas de Violência” e a posse da nova Comissão de Reparação. Como entre outras coisas, também sou ex-preso político, fui igualmente convidado. Em 2008, protestei contra a falta de acessibilidade.

Desta vez, recebi o convite por e-mail e ontem, quando uma moça ligou para confirmar minha presença, eu perguntei se o salão já era acessível. Ela, claro, sem saber do que se tratava, pediu licença e consultou alguém que lhe disse que sim. Bastante inseguro em relação à resposta, resolvi ir assim mesmo. Afinal, pensei que se tudo continuasse como dantes, eu protestaria novamente, o que de fato aconteceu.

No evento de agosto do ano passado, eu não era o único deficiente presente, é óbvio. Na ocasião, quando decidi protestar, não subindo a escadaria e não aceitando ser carregado, fui apoiado por outras pessoas com deficiência. Infelizmente, pressionadas pela circunstância de que se tratava de liberação de dinheiro para pesquisas ou tendo recebido ordem patronal para subir, elas foram obrigadas a me deixar sozinho.

No evento de hoje, só alguns ex-presos políticos idosos e com mobilidade reduzida poderiam protestar comigo, mas seria um despropósito privarem-se da homenagem e do pedido de desculpas pelo sofrimento que lhes foi infligido pela ditadura. Depois, como todos tinham duas pernas, a ajuda que receberam para vencer os degraus da escadaria só reforçou sua dignidade, pois expressou o respeito e atenção que devemos aos mais velhos.

E por falar em pedido de desculpas e dignidade, a secretária de Ação Social e Direitos Humanos do governo estadual, Benedita da Silva, ao chegar e ver meu protesto tentou me convencer a subir ou a aceitar ser carregado. Diante da minha afirmação de que meu papel era protestar contra o não cumprimento da lei no próprio palácio do governo, o que era desrespeito a um direito das pessoas com deficiência por quem deveria ser o primeiro a respeitar, e de que ser carregado feria minha dignidade, ela acedeu e seguiu para o evento. Na sua fala durante a cerimônia, Benedita pediu desculpas pela falta de acessibilidade no palácio. O governador fez o mesmo e informou que uma reforma já foi iniciada e nela a acessibilidade está prevista.

Espero que meu protesto tenha servido para alguma coisa e, como não devo nada ao governo, eu não tenha que pedir a melancia do título a vocês. Se não, por mais que eu não queira “aparecer”, na próxima vez que eu for ao Palácio Guanabara, levarei uma melancia pendurada no pescoço para ver se pedidos de desculpas e promessas viram acessibilidade.

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