1.2.15

Segredo de extraterrestres

Enquanto eu e Mausy vivíamos, como viveremos para sempre, a maior dor das nossas vidas (o assassinato de nosso filho Alex Schomaker Bastos), a revista Radis publicou meu texto "Segredo de extraterrestres", que nasceu de uma palestra que eu e Izabel Maria Madeira Loureiro Maior fizemos na Shell, em dezembro de 2014. Minha fala foi depois da exibição do completíssimo documentário "História do Movimento Político das Pessoas com Deficiência no Brasil", que esgotou o assunto, e eu me saí com essa de extraterrestre. Ao final, Izabel disse que eu tinha que escrever o que havia dito e, como manda quem pode e obedece quem tem juízo, aí está o escrito:

Revista Radis, Nº 149, 01/02/2015:

Segredo de extraterrestres

ANDREI BASTOS

Até agora ninguém contou tudo a respeito do movimento político das pessoas com deficiência, e a respeito delas mesmas, historicamente falando. Portanto, vou contar um segredo para vocês, um segredo militar, que existe há muito tempo, guardado a setecentas chaves pelas forças armadas das maiores potências, e que até hoje não se teve coragem de divulgar: nós, pessoas com deficiência, somos extraterrestres.

Mas, estamos na Terra desde o começo da história da humanidade. Acontece que viemos de planetas em que não precisávamos andar, não precisávamos enxergar, não precisávamos ouvir… Nós viemos de mundos em que só existem a percepção e os sentimentos entre os seres.

Viemos por conta do nosso desejo de nos incluirmos em todo o universo. No começo, quando chegamos e assumimos as diferentes características que temos, vocês, terráqueos, nos abandonavam na estrada para morrer porque não sabíamos andar, não sabíamos ouvir, não podíamos caçar!

Depois, quando surgiu uma coisa chamada agricultura, vocês nos deixaram em paz, nas casinhas, preparando a comida, cuidando dos filhos e netos. Foi um conforto, ficamos numa boa e pudemos viver nossas percepções e sentimentos em relação aos outros.

Só que, em seguida, veio a chamada revolução industrial e a coisa andou para trás porque não conseguíamos apertar os parafusos nas fábricas, não conseguíamos operar os produtos então produzidos, e ficou complicado. Mas sobrevivemos a isso e agora estamos vivendo há algum tempo uma fase de grande avanço científico e tecnológico, parecendo que vamos conseguir, finalmente, um lugar ao sol neste planeta, juntos e misturados a vocês.

Eu costumo dizer que a ficção científica apresenta o futuro não apenas do ponto de vista tecnológico, das conquistas científicas, como Júlio Verne pensando no submarino, mas também apresenta o futuro na sua forma existencial, quando mostra nas suas histórias de naves intergalácticas integrantes de uma mesma equipe de comando dessas naves com formas, rostos, conformações físicas inteiramente diferentes e incomuns. Temos, então, seres de diversos planetas convivendo e compartilhando um ambiente de trabalho! Inclusive ambientes de comando de grandes naves espaciais, ou de esquadrilhas dessas naves.

Hoje em dia, nós, pessoas com deficiência, estamos realizando palestras em empresas que, forçando a barra na comparação, são como as naves espaciais da ficção científica e podem ter pessoas também incomuns e diferentes compartilhando o trabalho como os personagens de outros mundos, que nos trouxeram, portanto, também a ideia de aceitação, de convivência, de inclusão dos diferentes.

Aprendendo a lição que nos dão os extraterrestres da ficção científica, nos dedicamos, então, a um esforço permanente para que a nossa inclusão, de “extraterrestres” verdadeiros que somos, deixe de ser uma ficção na sociedade e se transforme numa realidade presente em todos os dias de todas as empresas.

Andrei Bastos é jornalista e escritor, autor do livro Assimétricos (www.assimetricos.com.br).

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