Somos contra o estatuto
O Globo, 24/05/2007:
Somos contra o estatuto
TERESA COSTA D’AMARAL
A Constituição é o estatuto de todos os brasileiros. Quando nos perguntam o que pensamos da proposta de um estatuto para as pessoas com deficiência, respondemos rápido: a constituição é o estatuto de todo brasileiro, é o estatuto da pessoa com deficiência. O brasileiro, com deficiência ou não, é criança e o seu estatuto é o da criança. É idoso e o seu estatuto é o do idoso. Um estatuto especial fará de cada deficiente um cidadão diferente. A criação de um estatuto é inoportuna e contraria as discussões e decisões do segmento, a sua história e as conquistas até aqui alcançadas.
Optamos há muito por lutar para inserir nossa questão em contextos gerais, a fim de favorecer a perspectiva da inclusão social. Essa foi a inspiração da Lei 7.853 e das demais normas legais definidas a partir da Constituição de 1988, legislações consideradas por fóruns e especialistas do Brasil e do exterior como das mais avançadas do mundo.
A idéia de um estatuto especial se justifica quando um determinado segmento da sociedade necessita de regramento jurídico específico. Foi assim com o Estatuto da Criança e do Adolescente e com o Estatuto do Idoso, ambos trouxeram novos paradigmas normativos, conceituais e políticos.
A Década das Nações Unidas voltada para as Pessoas com Deficiência refletiu-se no Brasil como um chamado à participação para as organizações representativas da sociedade, no sentido de rever políticas e práticas sociais. As instituições envolvidas com a questão adotaram, como estratégia de luta contra a exclusão, a transversalização do tema da deficiência no contexto das políticas públicas e das determinações legais. Por esta ótica a temática foi inserida nas questões fundamentais da cidadania, dentre elas em saúde, educação, trabalho, previdência e assistência social.
Um momento se revelou exemplar no avanço da nossa causa: a criação da Corde e a promulgação, pelo então presidente Sarney, da Lei 7.853. São marcos incontestáveis de respeito às nossas propostas e às nossas demandas.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência atualmente em discussão, prolixo, repetitivo e inexeqüível em seus 287 artigos, possivelmente criará uma subcategoria de cidadão brasileiro, isolado do contexto social real, cada vez mais distante do ideal universal de inclusão. Se promulgado o projeto, se transformaria em lei ordinária que, por abordar uma temática já normatizada, revogaria a legislação federal existente relativa às pessoas com deficiência como determina a lei complementar 95.
Na lei 7.853, nas leis 10.048 e 10.098 e no decreto 3.298, o governo assumiu suas obrigações e chamou a sociedade a participar. Os prazos são longos, o encaminhamento de soluções às vezes é incorreto, às vezes é tímido, muito ficou só no papel, mas são leis baseadas na equiparação de oportunidades, que procuram respeitar o princípio da inclusão e as resoluções do nosso segmento. Essas leis deixariam de existir se fosse aprovada a atual proposta. Que terrível confusão se formaria nessa cascata de mudanças. Imaginamos as perdas sendo descobertas a cada dia e o caos instalado.
Mesmo o mais recente documento internacional, a Convenção da ONU para as pessoas com deficiência, aprovada em dezembro, reafirma as conquistas da legislação em vigor.
Acreditamos em um projeto que garanta a preservação de nossas leis e realize seu aperfeiçoamento, necessário sem dúvida, que reafirme nossas conquistas, inove e aprimore o ordenamento jurídico atual.
Até porque, para podermos alcançar a cidadania que a Constituição garante a cada brasileiro, precisamos mais do que leis, precisamos de políticas públicas responsáveis. Teríamos, sem dúvida, um país mais digno para as pessoas com deficiência se a legislação existente fosse respeitada.
Estamos caminhando, a passos lentos, mas caminhando. Torcemos para continuarmos somente com as pedras inevitáveis do caminho. Sem estatuto.
Teresa Costa d’Amaral é superintendente
do Instituto Brasileiro dos Direitos da
Pessoa com Deficiência (IBDD).
Somos contra o estatuto
TERESA COSTA D’AMARAL
A Constituição é o estatuto de todos os brasileiros. Quando nos perguntam o que pensamos da proposta de um estatuto para as pessoas com deficiência, respondemos rápido: a constituição é o estatuto de todo brasileiro, é o estatuto da pessoa com deficiência. O brasileiro, com deficiência ou não, é criança e o seu estatuto é o da criança. É idoso e o seu estatuto é o do idoso. Um estatuto especial fará de cada deficiente um cidadão diferente. A criação de um estatuto é inoportuna e contraria as discussões e decisões do segmento, a sua história e as conquistas até aqui alcançadas.
Optamos há muito por lutar para inserir nossa questão em contextos gerais, a fim de favorecer a perspectiva da inclusão social. Essa foi a inspiração da Lei 7.853 e das demais normas legais definidas a partir da Constituição de 1988, legislações consideradas por fóruns e especialistas do Brasil e do exterior como das mais avançadas do mundo.
A idéia de um estatuto especial se justifica quando um determinado segmento da sociedade necessita de regramento jurídico específico. Foi assim com o Estatuto da Criança e do Adolescente e com o Estatuto do Idoso, ambos trouxeram novos paradigmas normativos, conceituais e políticos.
A Década das Nações Unidas voltada para as Pessoas com Deficiência refletiu-se no Brasil como um chamado à participação para as organizações representativas da sociedade, no sentido de rever políticas e práticas sociais. As instituições envolvidas com a questão adotaram, como estratégia de luta contra a exclusão, a transversalização do tema da deficiência no contexto das políticas públicas e das determinações legais. Por esta ótica a temática foi inserida nas questões fundamentais da cidadania, dentre elas em saúde, educação, trabalho, previdência e assistência social.
Um momento se revelou exemplar no avanço da nossa causa: a criação da Corde e a promulgação, pelo então presidente Sarney, da Lei 7.853. São marcos incontestáveis de respeito às nossas propostas e às nossas demandas.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência atualmente em discussão, prolixo, repetitivo e inexeqüível em seus 287 artigos, possivelmente criará uma subcategoria de cidadão brasileiro, isolado do contexto social real, cada vez mais distante do ideal universal de inclusão. Se promulgado o projeto, se transformaria em lei ordinária que, por abordar uma temática já normatizada, revogaria a legislação federal existente relativa às pessoas com deficiência como determina a lei complementar 95.
Na lei 7.853, nas leis 10.048 e 10.098 e no decreto 3.298, o governo assumiu suas obrigações e chamou a sociedade a participar. Os prazos são longos, o encaminhamento de soluções às vezes é incorreto, às vezes é tímido, muito ficou só no papel, mas são leis baseadas na equiparação de oportunidades, que procuram respeitar o princípio da inclusão e as resoluções do nosso segmento. Essas leis deixariam de existir se fosse aprovada a atual proposta. Que terrível confusão se formaria nessa cascata de mudanças. Imaginamos as perdas sendo descobertas a cada dia e o caos instalado.
Mesmo o mais recente documento internacional, a Convenção da ONU para as pessoas com deficiência, aprovada em dezembro, reafirma as conquistas da legislação em vigor.
Acreditamos em um projeto que garanta a preservação de nossas leis e realize seu aperfeiçoamento, necessário sem dúvida, que reafirme nossas conquistas, inove e aprimore o ordenamento jurídico atual.
Até porque, para podermos alcançar a cidadania que a Constituição garante a cada brasileiro, precisamos mais do que leis, precisamos de políticas públicas responsáveis. Teríamos, sem dúvida, um país mais digno para as pessoas com deficiência se a legislação existente fosse respeitada.
Estamos caminhando, a passos lentos, mas caminhando. Torcemos para continuarmos somente com as pedras inevitáveis do caminho. Sem estatuto.
Teresa Costa d’Amaral é superintendente
do Instituto Brasileiro dos Direitos da
Pessoa com Deficiência (IBDD).
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