10.10.07

Nós acreditávamos em Papai Noel

Agora não acreditamos mais. Quando lemos na coluna de Tereza Cruvinel, no jornal O Globo do dia 19/08/2007, que o senador Paulo Paim, por suas próprias palavras, rasgaria o Estatuto “se apontarem um só ponto prejudicial aos deficientes”, chegamos a acreditar nele. Escolhemos quatro pontos, que consideramos os mais significativos dentre os muitos que identificamos como prejudiciais, e preparamos a carta transcrita abaixo. Depois de insistir bastante, conseguimos que o senador nos recebesse, às 8h de hoje, em Brasília, no seu gabinete.

Logo no início da conversa, diante da consideração de que sua louvável história de serviços prestados ao Brasil e aos brasileiros, particularmente aos trabalhadores, ficaria manchada pelo projeto de lei 7.699/06 que tramita na Câmara Federal, tanto pelo retrocesso que representa como pelo simples fato de ser uma proposta de Estatuto, o que se constitui em tutela excepcional e excludente das pessoas com deficiência, humilhando, portanto, a quem se libertou ou precisa se libertar da humilhação, o senador Paulo Paim sentiu-se ofendido, chegou a levantar da cadeira, ameaçando terminar a reunião.

Depois de contornado o impasse e a conversa ter continuado, com a definição clara de que não seria rasgado nenhum Estatuto e de que ali estavam representados dois campos inarredavelmente opostos quanto à idéia de tal documento legal, ao fazer uma defesa do seu ponto de vista o senador Paulo Paim surpreendeu dizendo que “no Sul, quem é contra o Estatuto leva bala!”, tal é a intransigência na sua defesa.

O senador não abre mão da idéia de Estatuto. Nós não abrimos mão de sermos contra essa idéia. Fomos a Brasília para apresentar os nossos argumentos contrários ao PL 7.699/06 e os contrários à própria idéia de Estatuto. Ele disse que vai encaminhar os quatro pontos da carta. Já as razões porque queremos o cumprimento das leis que já existem e o seu aprimoramento e não um Estatuto, qualquer que seja ele, o senador Paulo Paim não quis ouvir.

Carta ao senador Paulo Paim:

Brasília, 10 de outubro de 2007

Prezado senador,

Em primeiro lugar, queremos agradecer sua atenção ao receber nosso grupo, o que muito nos honra. Tenha certeza de que consideramos de importância fundamental esta oportunidade que o senhor nos oferece de expormos nosso ponto de vista sobre o Projeto de Lei 7.699/06 que atualmente tramita na Câmara Federal, originalmente de sua autoria.

Acreditamos não ser desconhecida pelo senhor nossa posição contrária a este projeto de lei e, por isso mesmo, este encontro se reveste de maior importância, revelando grandeza de sua parte ao aceitar dialogar conosco.

Muito mais do que simples antagonismo de opiniões, senador, o que nos leva a nos opormos a este documento legal é nossa consciência de pessoas com deficiência cidadãs, na sua expressão absoluta. Somos economicamente ativos, pagando impostos e consumindo como qualquer outro brasileiro; prezamos nossa auto-estima e dignidade, não buscando qualquer vantagem em razão das nossas deficiências e sim apenas o cumprimento das leis que já existem e que garantem nossa cidadania; fazemos questão de preservar e valorizar nossa autonomia, tanto no que diz respeito ao direito humano fundamental de ir e vir quanto ao que se refere à defesa dos nossos direitos. Não queremos a tutela especial de ninguém, muito menos por parte do Estado. Por essas e outras inúmeras razões, senador, somos contra sua proposta de Estatuto da Pessoa com Deficiência. Nosso Estatuto é a Constituição Brasileira.

No caso específico do PL 7.699/06, podemos apresentar como as quatro razões mais significativas para sua rejeição, entre muitas outras, os seguintes itens:

1. Se aprovado, o PL revogará a Lei de Acessibilidade (10.098/00) e, conseqüentemente, os prazos estabelecidos pelo seu regulamento, o Decreto 5.296/04. Determinando regulamentação futura, anulará a regulamentação já existente e os prazos em curso. Dessa forma os concessionários de transportes coletivos estariam desobrigados de adequá-los à utilização das pessoas com deficiência, até a edição de novo decreto de regulamentação. (artigos 136 a 141 do PL 7699/06).

2. Da mesma forma, aprovado o PL e revogada a Lei de Acessibilidade e os prazos estabelecidos pelo seu regulamento, os entes federativos estariam desobrigados de promoverem os acessos aos logradouros e locais públicos e de uso coletivo da União, estados e municípios.

3. O PL determina a intervenção obrigatória do Ministério Público em todas as ações judiciais em que figure como parte qualquer pessoa com deficiência, desvirtuando as atribuições do Ministério Público e incorrendo em inconstitucionalidade.

Uma ação de despejo, por exemplo, envolvendo uma pessoa com deficiência totalmente capaz, passaria a exigir a intervenção do Ministério Público. Desse modo, a pessoa com deficiência tornar-se-ia, na prática, incapaz e obrigatoriamente tutelada pelo Estado. (artigos 205, 206 - III e 208 do PL 7699/06).

4. Com a aprovação do PL, e a conseqüente revogação tácita da Lei 7.853/89 (porque trata da mesma matéria de outra forma), e, em resultado, a perda de eficácia de parte da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, as escolas regulares ficarão desobrigadas de praticarem a política de educação inclusiva para pessoas com deficiência (artigo 37 do PL 7699/06). É a lei 7.853/89 que determina a matrícula compulsória de pessoas com deficiência em cursos regulares.

Poderíamos nos alongar bem mais na apresentação das nossas razões, mas acreditamos que estas quatro já são suficientes para caminharmos na direção de conquistá-lo para o nosso lado, o lado das pessoas com deficiência cidadãs.

Acreditando que o senhor terá grandeza para rever suas posições e retirar sua proposta de Estatuto da Pessoa com Deficiência, na forma do PL 7.699/06 ou de qualquer outro estatuto,

Respeitosamente,

Alexandre Gaschi, Ana Cláudia Monteiro, Andrei Bastos, Luiz Cláudio Pereira e Paulo Beck, representantes do IBDD – Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência.

Fonte: http://www.ibdd.org.br/

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