30.8.16

Alice in Paralympics Land

Brazilian Newspaper, O Globo, Opinion, 08/19/2016
Alice in Paralympics Land
By Andrei Bastos
In Alice in Wonderland, beings of all kinds interact in many forms, and the differences between them are not causes of prejudice and discrimination. The characters’ fictional adventures and misadventures demonstrate the nature of each of them in the environment they share in Wonderland.
For the beings that live outside the realm of fantasy, the impossibility of interaction, even among equals, defines their existence—successful interactions are an exception to the rule. Such is human nature, in action and living outside Wonderland.
If we consider the possibilities offered by science fiction and by technological developments, we can think our world will be able, one day, to welcome the most diverse beings, even if this future world is different from Alice’s.
In fact, if we consider that fiction has anticipated much of what technology offers us today and that is part of our daily lives, we can accept the premonitory nature of the adventures of many different beings. These stories come from the deepest corners of human imagination and include the ability to fly, to walk on the moon, to speak with someone on the other side of the planet, and to know and live with very diverse “beings,” like the characters in Alice in Wonderland do.
We still have a long way to go before we can have a world in which all differences are truly accepted, and one example of how far we are from this world is the lack of funds to hold the 2016 Paralympic Games. Some important steps have been taken—gender differences are beginning to be accepted; women are expanding their role in society; prejudices against race are already considered “a thing of the past”. But there’s still a lot of work to be done.
The collective unconscious holds a predominant image of what a human being should have—two legs, two arms and, most important of all, autonomous mobility. When we think of the diverse human groups, we naturally exclude people with no legs, no arms, or wheelchair-bound.
Influenced by cultural aspects, we consider this “forgetfulness” as something natural, but it is culture itself that will allow us to instill in our psyche the acceptance of human beings with different shapes and forms. These beings are called “disabled.” Although they have accomplished a lot in terms of human rights, they still face the challenge of the huge and insurmountable wall of invisibility, and are always isolated in ghettos. One obvious example, which deals specifically with the performance of the human body, is the separation between the Olympic and Paralympic Games.
If we have different sports and different categories within each discipline, why can’t we include the sports of the disabled athletes as categories within different disciplines?
In order to make this idea more acceptable and understood by all kinds of people, disabled or not, and in order to make it happen for all—athletes and audience—, I would like to propose Wonderland as a possible venue for the next Olympic Games, an event that would include all people and that would have enough funds to accomplish everything that still needs to be accomplished.
Andrei Bastos is a wheelchair-bound journalist and member of the National Forum on Inclusive Education

19.8.16

Alice no País da Paralimpíada

O Globo, Opinião, 19/08/2016:

Alice no País da Paralimpíada

ANDREI BASTOS

No País das Maravilhas de Alice, os seres mais diversos interagem, de todas as formas, sem identificar as diferenças entre eles como fatores de preconceito e discriminação. As aventuras e desventuras dos seus personagens, por mais fantasiosas, expressam a maneira de ser de cada um no ambiente comum do País das Maravilhas.
Já no mundo dos seres nada fantasiosos, as indicações são, como regra, de impossibilidade de interação, mesmo entre iguais, geralmente dando um caráter de excepcionalidade positiva quando processos de interação são bem-sucedidos. Assim é a natureza humana fora do País das Maravilhas.
Talvez possamos ter a expectativa de que o mundo em que vivemos venha a acolher os seres humanos mais diversos, por conta das maravilhas que nos são apresentadas pela ficção e pela tecnologia, mesmo quando diferentes do mundo de Alice.
Aliás, se considerarmos que as histórias de ficção anteciparam muito do que hoje a tecnologia nos apresenta como banal, podemos aceitar como premonitórias as aventuras de seres muito diversos, provenientes dos mais profundos recônditos da imaginação do homem, seja voando, pisando na Lua, falando diretamente com quem está do outro lado do mundo, conhecendo e convivendo com “seres” tão diferentes, da mesma forma que os personagens do País das Maravilhas.
Sem dúvida, estamos muito longe de contarmos com tal acolhimento das diferenças no mundo em que vivemos, pois falta até dinheiro para realizar a Paralimpíada 2016. Mas alguns passos importantes já foram dados. As diferenças de gêneros começam a ser aceitas, as mulheres firmam, cada vez mais, seu papel na sociedade, preconceitos de cor ou raça já são considerados “antiquados”, embora ainda falte muito.
Mas podemos perceber que todos estão dentro de uma certa conformidade anatômica humana dominante no inconsciente coletivo, com duas pernas, dois braços etc. e, o mais importante, com mobilidade autônoma. Ao considerarmos os diferentes grupos humanos, naturalmente não incluímos pessoas sem pernas, braços ou em cadeiras de rodas.
Encarando como natural o “esquecimento”, não o fazemos apenas por uma questão cultural, embora a cultura seja o único caminho para introjetarmos em nossa psiquê tais modelos diferentes de seres humanos. Esses humanos, chamados de pessoas com deficiência, embora já tenham conquistado muita coisa em termos de direitos, ainda se deparam com o imenso e intransponível muro da invisibilidade e estão sempre sendo isolados em guetos. Assim é, como no exemplo mais evidente, que trata justamente da performance do corpo humano, com a separação entre Olimpíada e Paralimpíada.
Ora, se temos nos Jogos diferentes modalidades esportivas e diferentes categorias dentro de cada modalidade, por que não incluir no conjunto das competições as práticas esportivas das pessoas com deficiência como categorias das diversas modalidades?
Para que essa ideia possa ser absorvida e entendida por todos os tipos de pessoas, com e sem deficiência, e seja realizada plenamente por todos – atletas e público –, ouso apresentar o País das Maravilhas como candidato à realização da próxima Olimpíada, totalmente inclusiva, e com dinheiro para tudo.


Andrei Bastos é jornalista cadeirante e integrante do Fórum Nacional de Educação Inclusiva